COMANDO EXPLÍCITO (1986)
Filmes Legais

COMANDO EXPLÍCITO (1986)



O panorama do cinema paulistano no começo dos anos 80 era desanimador: sem receber recursos da Embrafilme (que financiava os "intelectuais" de sempre para fazer filmes que ninguém queria ver), e gastando cada vez mais naqueles tempos de inflação galopante, muitos cineastas preferiram trocar a tela grande pela TV e pela publicidade.

Para os que continuaram remando contra a maré, a solução era investir no cinema pornográfico, um filão lucrativo iniciado no país com "Coisas Eróticas", de Rafaelle Rossi, alguns anos antes. Afinal, as produções eram baratas, não exigiam grande refinamento (pelo contrário, era possível até reaproveitar cenas de um filme em outro, principalmente os closes de pintos entrando em orifícios diversos) e havia um público pagante fiel, ávido por ver sacanagem na telona antes da popularização do videocassete - e algumas décadas antes da febre da pornografia via internet.


Diversos cineastas "sérios" começaram a filmar tchatchaca-na-butchaca para pagar as contas e tentar juntar dinheiro para voltar a fazer produções "normais", entre eles José Mojica Marins, Jean Garrett e Antônio Meliande. Mas enquanto a maioria usava pseudônimos para minimizar a vergonha de estar filmando sacanagem, teve um diretor que nunca escondeu o nome de batismo ao fazer pornôs - e ficou com a carreira estigmatizada por causa disso.

Estamos falando de Alfredo Sternheim. Jornalista, crítico de cinema e escritor (é autor de, entre outros, o obrigatório "Cinema da Boca - Dicionário de Diretores"), ele começou sua carreira cinematográfica como assistente de direção de Walter Hugo Khouri. Depois de fazer alguns curtas próprios, estreou como diretor de longas com "Paixão na Praia" (1970).


Como muitos cineastas da sua geração, Alfredo viu-se obrigado a filmar pornôs a partir de 1983, quando fez "Sexo em Grupo" e nem se preocupou em usar nome falso para não ser reconhecido. Daí em diante até 1988, quando encerrou sua carreira, ele fez mais de dez filmes com sexo explícito, a maioria em parceria com o também cineasta Juan Bajon e pela produtora deste, a Galápagos.

Entretanto, em 1986, Sternheim assinou dois pornôs para uma outra produtora, a Danek Produções Cinematográficas. Consta que foi uma experiência difícil, pois os sujeitos não entendiam nada de cinema e queriam gastar muito pouco em suas produções.

Assim, a exemplo do que cineastas italianos como Joe D'Amato e Bruno Mattei faziam com frequência, o cineasta brasileiro rodou os dois filmes pornográficos para a produtora ao mesmo tempo, com a mesma equipe técnica e o mesmo elenco. Um foi "Orgia Familiar"; o outro, COMANDO EXPLÍCITO.


Esquecido na maioria das filmografias de Alfredo Sternheim (não consta, por exemplo, no IMDB), COMANDO EXPLÍCITO segue por uma vertente popular do cinema X-Rated nacional: a união de sexo e violência, comum nas obras de diretores como Sady Baby, Fauzi Mansur e Rubens Prado, e que bebe da fonte dos "roughies" produzidos no exterior na década de 70 (os também chamados "filmes de estupro", como "Wet Wilderness" e "Forced Entry"). Logo, o filme inclui situações pesadas como o marido obrigado a assistir ao estupro da própria esposa por dois marginais.

O título, por sua vez, parece fazer referência ao sucesso de bilheteria da época, "Comando para Matar", de Arnold Schwarzenegger, já que não há nenhum "comando" no filme. (Só para dar uma ideia, Rubens Prado, outro diretor conhecido na Boca, lançou no mesmo ano um pornô com título parecido, "Comando dos Sádicos".)


Produzido por Nissen e Sander Danek, COMANDO EXPLÍCITO acompanha a história de Sandra, uma menina virgem por quem um perigoso bandido se apaixona. Quando ele se declara e a garota recusa seu amor (pois já tem namorado), o bandidão junta os comparsas e invade o apartamento da amada, no bairro chique de Higienópolis, tomando toda a família como refém.

Além da mãe (interpretada por uma tal de "Beth Boop") e da empregada gostosona, três ninfetinhas amigas da garota estão dormindo no apartamento, abrindo a brecha (e as pernas) para o festival de "estupros" que domina a narrativa.


E se escrevo a palavra "estupro" entre aspas é porque, a exemplo do já resenhado por aqui "Wet Wilderness", as vítimas jamais esboçam qualquer reação humana e realista diante da violência sexual. Pelo contrário: depois de alguns poucos protestos, entregam-se com prazer às fodas com os marginais, inclusive fazendo múltiplas posições sexuais, isso quando não estão dando beijos na boca e chupadas nos "estupradores". Essas levam bem a sério aquela máxima popular de que “se o estupro é inevitável, relaxe e aproveite”...

Há algumas caras conhecidas no elenco: Rubens Pignatari ("A Menina e o Estuprador") interpreta o pai de Sandra, enquanto Antônio Rodi, grande comedor da Boca do Lixo (participou dos dois pornôs do Mojica, "24 Horas de Sexo Explícito" e "48 Horas de Sexo Alucinante"), é o estuprador apaixonado - dublado pelo mesmo dublador que emprestava a voz a Sady Baby!


Diferente de alguns colegas de profissão, que baixaram totalmente o nível ao ingressar na direção de pornôs, Sternheim manteve certo requinte mesmo ao filmar roteiros ruins como este (escrito pelo produtor Sander Danek). É diferente assistir um hardcore da Boca do Lixo feito de qualquer jeito e um filme como este, dirigido por alguém que sabe filmar e tem noção de ritmo, fotografia e enquadramento - repare na trepada dentro de uma sauna, em que estratégicos jatos de vapor tentam esconder a penetração explícita para dar um ar mais erótico ao sexo.

As inúmeras cenas pornográficas de COMANDO EXPLÍCITO se desenrolam ao som de música clássica, o que nem sempre "fecha" direitinho com as imagens exibidas (fica até meio confuso acompanhar um "estupro" ao som de uma trilha lírica e quase romântica).


Por outro lado, isso revela um cuidado maior do diretor pelo material, mesmo que este não lhe favoreça. Em depoimento ao livro sobre a sua obra publicado pela Coleção Aplauso, Sternheim inclusive lembrou que alguns exibidores o consideravam muito intelectual e não queriam passar seus filmes nos cinemas “do povão”!

Uma estupidez, já que diretores como o já citado Rubens Prado colocavam até músicas de Saint-Preux sobre as fodas em filmes tipo "Sexo Erótico na Ilha do Gavião".


Em sua resenha de COMANDO EXPLÍCITO para a revista virtual Zingu, Matheus Trunk escreveu que Sternheim teve sérios problemas durante as filmagens, já que o produtor do filme era dono de um açougue e não tinha muita intimidade com o meio.

Teve até um acontecimento grave nos bastidores: enquanto atuava como referência para um ator que disparava seu revólver "contra a câmera", o diretor foi atingido no pescoço por um estilhaço da bala com pólvora seca utilizada no lugar do habitual tiro de festim. Foi um ferimento de raspão, mas que poderia ter sido fatal.


Como era tradicional nos pornôs da Boca, o elenco está repleto das caras feias e das barangas de costume. Embora volta-e-meia apareçam umas mulheres mais ajeitadinhas, como as estrelas do pornô nacional Lia Soul e Priscila Presley, também desfilam pela tela uns jaburus que seriam recusados até para o elenco dos pornôs do Mojica!

Um dos diferenciais de COMANDO EXPLÍCITO é a relação entre o bandido "in love" e sua vítima. Ao invés de partir para o vale-tudo que se espera de um filme pornô da Boca do Lixo, Sternheim mostra o personagem de Antônio Rodi como um homem apaixonado e respeitoso, que, embora obcecado pela menina virgem e disposto a tudo para tê-la, não tenta forçar nada, mostrando-se um autêntico "gentleman" na maior parte do tempo - embora tenha a garota amarrada e vestindo apenas um baby-doll à sua disposição.


O mesmo não se pode dizer do personagem do namorado de Sandra: embora o filme tente vendê-lo como um sujeito apaixonado e romântico, o típico cavaleiro de armadura pronto para salvar sua princesa em perigo, o rapaz aparece o tempo todo disparando frases de pedreiro como "Onde esse cabacinho for, eu vou", ou "Sou gamado no cuzinho da Sandra"!!!

E não pense que o filme fica nesse lance psicológico e de amor proibido. Na maior parte do tempo, COMANDO EXPLÍCITO é um legítimo pornô brasileiro da década de 80, e, como tal, trash até a medula. Quem já viu alguns pornôs da Boca do Lixo sabe que hoje eles funcionam melhor como comédias involuntárias do que propriamente pelo erotismo – se é que algum dia eles já funcionaram nesse departamento, considerando a feiúra dos atores e atrizes que participavam dessas presepadas.


Embora tente soar mais sério e “intelectual” (hehehe) durante a maior parte do tempo, COMANDO EXPLÍCITO também tem várias tiradas hilárias e situações absurdamente cômicas. Um momento antológico: ao entrar na cozinha e perceber que seus colegas já comeram todo o rango preparado pela doméstica, um dos bandidos emenda: "Já comeram tudo? Então vou comer a empregada mesmo!". Dito e feito: o rapaz encosta a moça na mesma mesa em que os companheiros fazem a digestão e manda bala!

Outro momento trash envolve o ataque dos bandidos a uma sauna, antes da invasão ao apartamento da família. É "dia delas", e somente mulheres podem entrar. Ao encontrarem um montão de garotas nuas (a maioria feias de dar medo!), os criminosos começam uma daquelas orgias caligulescas dignas de Sady Baby, em que as "estupradas" passam do protesto ao prazer em questão de segundos.


Aliás, vale lembrar que o crime é planejado pela quadrilha enquanto os marginais estão sentados numa mesa de bar tomando umas geladas. E falam sobre o roubo sem se preocupar em disfarçar. Aos diabos com a discrição, não é mesmo?

No fim, COMANDO EXPLÍCITO pode até ser mais bem acabado e melhor dirigido que a maioria dos pornôs da Boca, mas esse “excesso de qualidade” (assim mesmo, entre aspas) se revela um ponto negativo no conjunto, pois o resultado é muito menos divertido que as absurdas peripécias pornográficas de malucos sem-noção como Sady Baby ou Rubens Prado.


Pode, entretanto, ser uma bela introdução (ui!) para quem não conhece o ciclo pornô oitentista da Boca do Lixo e quer começar seu aprendizado por algum lugar. Também funciona como registro histórico de uma triste página da nossa trajetória cinematográfica, quando diretores competentes tiveram que render-se à putaria para conseguir “sobreviver” no mercado.

Alfredo Sternheim é um desses “heróis”, mas nunca teve vergonha dos filmes pornôs que fazia – por pior que fossem – e assinou todos eles com seu nome de batismo. Pagou o preço com o fim da sua carreira, mas suas obras continuam por aí, à espera de uma revisão com olhar menos preconceituoso.


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Comando Explícito (1986, Brasil)
Direção: Alfredo Sternheim
Elenco: Antônio Rodi, Lia Soul, Rubens Pignatari,
Beth Boop, Priscila Presley, Andréia Araújo, Francisco
Viana, Wagner Maciel e Cristina Gomes.



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