Há alguns anos, eu comprei DVDs daqueles velhos filmes do Tarzan estrelados por Johnny Weissmuller, produzidos entre as décadas de 1930 e 40, a pedido de meu pai, que queria recordar sua infância e o seu grande herói das matinês. Até fiquei com medo de que o coroa pudesse terminar frustrado, por causa da pobreza de recursos dessas aventuras antigas. Para minha surpresa, ele gargalhava toda vez que Weissmuller aparecia lutando contra um crocodilo de plástico ou um leão empalhado, e dizia que essa era justamente a graça dos filmes!
Pois "El Tesoro de la Diosa Blanca" (O Tesouro da Deusa Branca), uma aventura pobretona dirigida por Jess Franco em 1983 (e conhecida no resto do mundo pelo título em inglês DIAMONDS OF KILIMANDJARO), tem esse mesmo espírito. E eu não sei se houve qualquer pretensão de seriedade por parte dos realizadores na época das filmagens, mas o negócio é tão capenga que só pode ser assistido e avaliado como comédia involuntária.
DIAMONDS OF KILIMANDJARO é mais um filme da fase "vale-tudo" do diretor espanhol, e foi produzido por seus parceiros de longa data, os franceses Marius e Daniel Lesoeur (pai e filho), da Eurociné.
À época, esta pequena produtora de Paris estava atirando para todo lado, rodando até filmes de terror com canibais e zumbis (que estavam na moda), mas sempre com valores de produção abaixo da média. Só para dar uma ideia, foram eles que produziram o tenebroso "Zombie Lake", de Jean Rollin! Assunto encerrado.
É óbvio que nada muito empolgante poderia sair de uma "aventura na selva" produzida pela Eurociné, e é óbvio que as filmagens aconteceram bem longe do Kilimanjaro, aquele vulcão que é o ponto mais alto da África, e que aqui só é citado no título (e grafado errado, com um "D" a mais!). O cenário do filme parece ser um parque qualquer, que a montagem tenta fazer passar pela África com a inclusão de velhas cenas de arquivo mostrando animais selvagens.
O problema é que são velhas cenas de arquivo MESMO, tipo material filmado nos primórdios do cinema colorido para documentários, e facilmente identificáveis pelas imagens granuladas e cheias de defeitos (riscos no negativo, por exemplo). Mas era uma prática habitual dos realizadores picaretas da época para baratear custos - vide "Predadores da Noite" (1980), do italiano Bruno Mattei, que reaproveitou cenas de um velho documentário sobre a Nova Guiné!
DIAMONDS OF KILIMANDJARO pode ser definido como uma versão feminina (e sexploitation) de Tarzan, e foi lançada num momento em que houve um revival do velho personagem criado por Edgar Edgar Rice Burroughs, e que havia sido "ressuscitado" em superproduções para o cinema como "Tarzan Nota 10" (1981), de John Derek, e "Greystoke, A Lenda de Tarzan" (1984), de Hugh Hudson.
Versões femininas de Tarzan não eram exatamente uma novidade, já que, fazendo filmes com "garotas das selvas", os realizadores não precisavam pagar direitos autorais aos herdeiros de Burroughs. Produtores italianos (sempre eles!) até já haviam feito uma versão feminina escancarada do herói em 1969, chamada "Tarzana" (!!!), com direção de Guido Malatesta.
Houve uma febre de produções com "garotas das selvas" entre as décadas de 40 e 60. Começou naqueles velhos seriados exibidos nas matinês, com as aventuras de "A Mulher Tigre" (1944), dirigidas por Spencer Gordon Bennet e Wallace Grissell. Seguiram-se filmes como o norte-americano "A Deusa das Selvas" (1948), de Lewis D. Collins, o alemão "Lana, Rainha das Amazonas" (1964), de Cyl Farney e Géza von Cziffra (filmado no Brasil e com o Trapalhão Dedé Santana no elenco!), e o italiano "Eva, A Vênus Selvagem" (1968), de Roberto Mauri, entre outros.
Em praticamente todas essas produções, a história é mais ou menos a mesma (e ligeiramente "adaptada" da origem de Tarzan): uma menina sobrevive a um desastre aéreo na selva e é adotada por alguma tribo indígena, que passa a venerá-la como se fosse uma deusa; aí ela cresce e se torna uma espécie de heroína selvagem, mas chega o dia em que precisa confrontar os homens "civilizados".
DIAMONDS OF KILIMANDJARO não tenta inventar muito e segue pelo mesmo caminho: o pequeno avião que leva o milionário De Winter (interpretado por Daniel J. White, compositor francês que trabalha com Jess desde os anos 60) e sua filha Diana cai no meio da selva, em algum lugar da "África" (hehehe), e eles são acolhidos como deuses que vieram do céu por uma violenta tribo de caçadores de cabeça, os Mabutos.
O filme já começa dando uma bela ideia do que vem pela frente. Além da inserção de várias daquelas velhas cenas de arquivo com tomadas aéreas de rios e florestas (tipo: Daniel White aparece olhando para fora do avião, que nem voando está, e então a montagem corta para uma dessas cenas aéreas antiquíssimas), a simulação do acidente aéreo é de chorar de rir, com um corte brusco do aviãozinho voando para uma imagem mostrando fogo e fumaça no horizonte (e nem é exatamente o mesmo lugar do take anterior!).
Os anos se passam e pai e filha nunca são resgatados, passando a viver entre os nativos como "deuses". A diferença é que enquanto o velho continua usando sua roupa de escocês (e parece não envelhecer sequer um dia), sua filhinha cresce e se transforma numa bela adolescente peladona.
Logo, uma expedição que procura diamantes naquela região é aprisionada por guerreiros Mabutos, liderados por uma garota negra chamada Noba (Aline Mess, que também apareceu em "Manhunter - O Sequestro"). Apesar de viver entre índios selvagens no meio da África, a moça tem sobrancelhas fininhas de quem acabou de sair de um salão de beleza. Quando os exploradores estão para perder suas cabeças, surge Diana, a Deusa Branca, de topless e pagando cofrinho, para exigir que os brancos sejam libertados.
Diana é interpretada pela ninfeta Katja Bienert, que nasceu em Berlim em 1º de setembro de 1966, e por isso tinha entre 16 e 17 anos quando filmou DIAMONDS OF KILIMANDJARO. Mesmo assim, a menina passa o filme inteiro seminua, de topless e bunda de fora, para a alegria dos pedófilos.
E nem foi a primeira vez que ela mostrou-se bem desinibida no cinema: essa espécie de Brooke Shields alemã (ou Luciana Vendramini alemã, se preferirem) já aparecia pelada em filmes desde a comédia alemã "Die Schulmädchen vom Treffpunkt Zoo, de 1979 - quando, segundo a calculadora, tinha apenas 13 ANOS!
Katja também pode ser vista nua frente e verso (e menor de idade) em produções anteriores dirigidas pelo próprio Franco - "Eugenie" (1980), "Linda" (1981) e "El Lago de las Vírgenes" (1982) -, e logo depois em "Lilian, La Virgen Pervertida (1984). Aposto que todos são filmes de cabeceira do Roman Polanski e do Woody Allen...
Mas chega de falar de pedofilia e voltemos ao filme: quando os caçadores de diamantes retornam à Inglaterra e começam a falar sobre a tal Deusa Branca, a história chega aos ouvidos da velha Hermine De Winter (Lina Romay, com maquiagem para parecer idosa), a mãe da menina, que já tinha desistido de encontrá-la com vida.
Pois a moribunda milionária pretende reencontrar a filha antes de morrer (ao mesmo tempo em que aparentemente esquece do maridão, que sumiu naquele mesmo acidente aéreo), e para isso resolve financiar uma nova expedição para trazê-la de volta à civilização. De preferência antes de bater as botas, já que a menina é a herdeira direta da sua fortuna.
Para isso, Hermine contrata dois experientes guias que passarão o restante do filme se bicando: um é Fred (Albino Graziani, de "Oásis dos Zumbis"), um veterano de guerra; o outro é o herói Al Pereira (Antonio Mayans), personagem originalmente criado por Franco para seu thriller de espionagem "Cartes sur Table" (1966), e que desde então foi promovido de espião a detetive particular e, agora, explorador da selva, sempre conforme a necessidade!
O único problema é que tem gente torcendo para que a menina da selva nunca mais volte para a civilização. Trata-se de Matthew, o irmão da milionária (interpretado por Olivier Mathot), e que será o único herdeiro da fortuna caso a filha perdida continue perdida. Com medo de que a expedição de resgate seja bem-sucedida, ele e sua esposa Lita (Mari Carmen Nieto, aqui creditada como "Ana Stern") resolvem fazer parte do grupo para dar um fim em Diana assim que ela for encontrada.
É quando DIAMONDS OF KILIMANDJARO volta para a selva e Franco despeja para cima do espectador todo clichê possível e imaginável das aventuras do gênero: a expedição de resgate enfrenta animais selvagens, ataques de índios, cabeças cortadas, travessia de rio em jangada e até a rivalidade entre eles mesmos (além da cobiça de alguns dos seus integrantes).
Mas como este também é um legítimo filme de Jess Franco, o diretor garante uma razoável quantidade de mulher pelada e putaria entre uma cena de aventura e outra, seja com a ninfetinha Katja desfilando sempre de topless, seja com a safadinha Mari Carmen (de "La Mansión de los Muertos Vivientes") seduzindo o guia Al sempre que o marido alcoólatra marca bobeira, seja com a "nativa" Aline Mess de peitos de fora e fazendo dancinhas eróticas para o resto da tribo.
Mais do que um aventura com toques de erotismo, DIAMONDS OF KILIMANDJARO é uma autêntica comédia trash. A tal expedição de resgate é o retrato de uma produção sem dinheiro, com meia dúzia de sujeitos carregando umas caixas visivelmente vazias e até... um barril de vinho? Sem contar que os aventureiros enfrentam as provações da floresta vestidos como se estivessem indo para o bar tomar umas cervejas. O destaque vai novamente para Mari Carmen Nieto e sua Lita, que encara a selva africana vestindo shortinho jeans atolado na bunda, blusinha decotada para ir na balada e botinhas de salto alto cor rosa-choque (abaixo), que certamente não ajudam nem no quesito conforto, nem no quesito camuflagem!
O velho Jess não teve muito trabalho no set, considerando que a maioria das cenas de "perigo" foi feita através do reaproveitamento das já citadas cenas de arquivo de 200 anos atrás. Tipo quando Lita vai tomar banho de rio (pelada, óbvio, em plena África) e atrai crocodilos famintos em sua direção.
Pois mesmo o espectador mais bobo e menos entendido de montagem cinematográfica vai perceber na mesma hora que os takes da moça no rio gritando apavorada e os takes cheios de riscos e rasuras dos crocodilos não foram feitos no mesmo espaço e muito menos no mesmo tempo! Ah, a magia do cinema...
Outro momento engraçadíssimo envolvendo estas cenas de arquivo acontece quando os jipes que conduzem a expedição ao coração da selva acabam cruzando com um rinoceronte em disparada, que os persegue por um pequeno trecho, mas obviamente só existe em stock footage.
Só que quando vemos o bichão correndo atrás de um dos jipes, num take filmado por algum documentarista décadas antes, eis que de repente vaza para dentro da imagem um sujeito se mijando de rir QUE NÃO APARECE NAS CENAS DO FILME (acima), mas estava lá quando a filmagem original do rinoceronte foi feita, e o editor nem se deu ao trabalho de cortar! É mole?
Nos poucos momentos em que não apela para as cenas de arquivo, DIAMONDS OF KILIMANDJARO nem é tão ruim quanto outras aventuras na selva do diretor. Embora os valores de produção sejam nulos (a aldeia dos Mabutos é composta por apenas duas cabanas!), Franco consegue criar pelo menos uma caracterização um pouquinho mais convincente para os seus índios, que aqui aparecem usando ameaçadoras máscaras em forma de caveira - o oposto daqueles risíveis canibais com cara pintada de tinta guache colorida que ele mesmo mostrou nos anteriores "Mondo Cannibale / White Cannibal Queen" e "Manhunter - O Sequestro".
Fãs da filmografia de Franco podem perceber algumas semelhanças entre este filme e o anterior "White Cannibal Queen": em ambos, uma menina é adotada por uma tribo de índios como "Deusa Branca", só que anos depois uma expedição vai à sua procura, para levá-la de volta à civilização.
Entretanto, a principal fonte de inspiração do velho Jess foram aqueles filmes antigos do subgênero "garotas selvagens". Principalmente dois deles: o norte-americano "Ticoora, A Rainha das Selvas" ("Daughter of the Jungle", 1949), de George Blair, e o alemão "Liane, A Selvagem" ("Liane, Das Mädchen aus dem Urwald", 1956), dirigido por Eduard von Borsody.
O primeiro já trazia pai e filha que sobreviveram à queda do seu avião vivendo entre índios, e também já enfocava a menina como herdeira de uma fortuna caso voltasse à civilização, como acontece aqui. No segundo, outra menina rica sobrevivente de desastre aéreo é venerada como deusa por uma tribo africana, até ser encontrada por uma expedição e levada de volta para Hamburgo, na Alemanha. Aí o seu próprio tio, que seria o herdeiro da fortuna da família caso ela continuasse sumida, tenta dar um fim na sobrinha - o que também acontece no filme de Franco.
As semelhanças com "Liane, A Selvagem" se estendem até ao nome das personagens (Liane no filme alemão, Diana aqui). E o filme de 1956 também provocou certa polêmica na época por mostrar uma ninfeta (Marion Michael, de apenas 16 anos) com os peitinhos de fora. Até as famosas cenas em que Liane balançava agarrada num cipó, como uma versão feminina e de topless do Tarzan, foram repetidas por Jess em DIAMONDS OF KILIMANDJARO, denunciando a inspiração.
Como era comum nas produções da Eurociné, existem diferentes versões do filme para diferentes países. Infelizmente, o corte original feito por Jess para o público espanhol nunca foi exibido ou lançado fora da Espanha. Esta versão tem 83 minutos e, entre diversas mudanças, um começo e um final diferentes (segundo o pesquisador Robert Monnel, do blog I'm in a Jess Franco State of Mind).
A versão lançada no resto do mundo, e analisada para esta resenha, é o corte francês realizado pelos próprios produtores, e chamado "Les Diamants du Kilimandjaro" (daí o título em inglês). Esta versão é mais longa, com 95 minutos; os 12 minutos a mais foram filmados pelo ator Olivier Mathot a pedido da Eurociné. Por não aceitar a versão mais longa, Franco pediu para substituírem seu nome por "C. Plaut" na montagem internacional.
Infelizmente, ninguém nunca fez uma comparação entre as duas versões, e nem a edição espanhola está disponível para baixar nos torrents da vida. Mas eu não me espantaria se aquelas presepadas envolvendo velhas cenas de arquivo fossem coisa de Mathot, e não de Jess. A gravação de cenas adicionais também pode explicar a quantidade de erros de continuidade, como a misteriosa transformação de uma garrafa de uísque entre um take e outro (abaixo).
Mas é claro que pode ser tudo desleixo do próprio Franco, e a verdade só aparecerá quando a versão espanhol finalmente aparecer para análise (eu já me prontifico a fazer a comparação e atualizar esta resenha se um dia o corte original ficar disponível).
Assim como outras "novinhas" do cinema (tipo suas contemporâneas Brooke Shields e Nastassja Kinski, ou as mais recentes Dominique Swain e Thora Birch), a alemãzinha Katja Bienert também sumiu do mapa assim que ficou "de maior", e principalmente depois que envelheceu.
Após anos longe das telas, aparecendo apenas em trabalhos feitos para a televisão alemã, ela foi convidada por Jess Franco para uma participação especial no péssimo "Killer Barbys vs. Dracula", de 2002. Mas praticamente ninguém percebeu o retorno da musa precoce. Mais uma prova de que quem nasceu para Lolita não rende como Mrs. Robinson...
Logicamente, DIAMONDS OF KILIMANDJARO não tem um pingo da qualidade e da criatividade demonstradas pelo cineasta espanhol durante sua melhor fase (entre os anos 1960-70), e é um mero trabalho sob encomenda para faturar o dinheiro do aluguel.
Ao mesmo tempo em que eu venho cobrando uma revisão urgente de algumas obra-primas injustamente esquecidas da filmografia de Jess, como "Miss Muerte" e "Vampyros Lesbos", não posso recomendar tranqueiras como esta, a não ser para aquele público que também gosta de cinema trash, tosco e assumidamente ruim.
Por isso, esteja avisado: só encare esta aventura idiota, pobretona e demente, repleta de mulheres peladas e toneladas de stock footage, se você se diverte com o trabalho de diretores tipo Bruno Mattei, Alfonso Brescia, Godfrey Ho ou Ed Wood.
Caso contrário, passe longe e assista "Sheena, A Rainha das Selvas" (1984), que é melhor produzido e tal - embora tão divertido em sua ruindade quanto esse aqui, que custou bem menos!
Trailer de DIAMONDS OF KILIMANDJARO
******************************************************* Les Diamants du Kilimandjaro / El Tesoro de la Diosa Blanca (1983, Espanha) Direção: Jess Franco e Olivier Mathot Elenco: Antonio Mayans (aka Robert Foster), Katja Bienert, Mari Carmen Nieto (aka Ana Stern), Olivier Mathot, Albino Graziani e Daniel J. White.
- La Sombra Del Judoka Contra El Doctor Wong (1984)
Nos anos 1980, de volta à Espanha após um exílio voluntário para escapar da ditadura do General Franco, Jess Franco iniciou uma parceria com a Golden Films International, para quem dirigiu - pelo menos até onde se sabe - 19 filmes dos mais diversos...
- La MansiÓn De Los Muertos Vivientes (1982)
LA MANSIÓN DE LOS MUERTOS VIVIENTES (nos EUA, "The Mansion of the Living Dead") é uma grande traquinagem de Jess Franco: apesar do título, não existe nenhuma "mansão" (a história se passa num hotel e num velho mosteiro) e nem um único morto-vivo...
- Maratona Jess Franco
Hoje (2 de abril de 2014) faz exatamente um ano que o mundo do cinema perdeu um dos seus nomes mais atuantes: o mítico Jess Franco. Nascido Jesus Franco Manera em Madrid, Espanha, em 1930, ele teria dirigido, segundo o IMDB, 201 filmes, mas o número...
- Os CaÇadores Da Serpente Dourada (1982)
Em 1982, inspirado pelo sucesso de "Os Caçadores da Arca Perdida", de Steven Spielberg, o italiano Antonio Margheritti (1930-2002) resolveu fazer suas própria versão das aventuras de Indiana Jones - que, por sua vez, eram inspiradas nos exóticos...