O FILHO DE DJANGO (1967)
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O FILHO DE DJANGO (1967)



De todos os "Sotto-Djangos" produzidos depois da estreia do filme de Sergio Corbucci, O FILHO DE DJANGO, de Osvaldo Civirani, foi o que mais facilmente resolveu a questão "Como fazer uma aventura de Django sem Franco Nero no elenco?". Conforme o título já entrega, seus realizadores optaram por uma solução bem simples: ao invés de colocar outro ator para interpretar o personagem e torcer para dar certo, como fizeram tantos outros produtores naqueles tempos, eles apelaram para a linhagem sanguínea do herói e apresentaram ao mundo "o filho de Django"!

Esta é uma saída muito comum no mundo do cinema quando você quer fazer uma "continuação" de um filme de sucesso mas já não pode contar com o astro do original, esteja ele morto - como aconteceu em "O Filho do Capitão Blood" (1962) e "O Filho da Pantera Cor-de-Rosa" (1993) -, ou indisponível por um cachê mais baixo - como aconteceu em produções tão díspares quanto "Son of Zorro" (1947) e "O Filho do Máskara" (2005).


O problema, aqui neste caso em questão, é a forma como o filho do famosão foi inserido na história. Ao invés de seguir pelo caminho mais lógico - tipo o sucessor de Django assumindo o posto do pai quando este se aposenta depois de uma vida de aventuras -, o roteiro de Alessandro Ferraù, Tito Carpi e do próprio diretor Civirani prefere o caminho mais polêmico e ofensivo para os fãs: Django foi assassinado (!!!), e resta ao seu filho sair em busca de vingança.

Opa, opa, opa, como é que é?!? Então quer dizer que aquele pistoleiro invencível e casca-grossa que enfrentou os 40 homens do Major Jackson sozinho, armado "apenas" com uma metralhadora, foi assassinado? E como aconteceu isso? Em algum duelo contra um pistoleiro mais rápido que ele? Numa emboscada planejada pelo dobro de homens da outra vez (80, ou 100 quem sabe), quando ele estava sem sua metralhadora por perto, ou ficou sem munição? Que nada, amiguinhos: acreditem se quiser, mas no roteiro de Ferraù, Carpi e Civirani - estes hereges! -, o velho Django foi morto à traição, com tiros nas costas, sem sequer uma honrada saída de cena.


Claro que, por esta não ser uma continuação "oficial" de "Django", podemos respirar aliviados e imaginar que O FILHO DE DJANGO na verdade é sequência de algum dos outros "Sotto-Djangos" anteriores. Neste caso, o personagem-título não seria um rebento de Franco Nero, mas sim, quem sabe, do Django Foster de "Django Não Espera... Mata"? Ou do Glenn Garvin que os mexicanos chamavam de Django, de "Django Atira Primeiro"? Os caras nem eram grande coisa mesmo, e eu não me espantaria se morressem com tiros nas costas mais cedo ou mais tarde...

(Por sinal, o IMDB até relaciona O FILHO DE DJANGO como continuação de "Django Atira Primeiro", mas não faço ideia de onde tiraram tal informação, considerando que os filmes sequer foram feitos pelos mesmos realizadores! E outra: o personagem aqui usa uma luvinha preta de couro numa das mãos, igual ao Django de Ivan Rassimov em "Django Não Espera... Mata". Coincidência ou evidência da identidade do verdadeiro pai?)


Ok, se concordamos que foi um dos Djangos genéricos que foi morto pelas costas, porque o oficial é muito fodão para acabar assim, vamos esquecer essa história toda e conhecer o tal filho do herói: seu nome é Jeff Tracy (ora, você não queria que ele se chamasse "Django Jr.", né?), interpretado por Gabriele Tinti.

Jeff ainda era uma criança quando viu seu pai ser morto à traição. Conseguiu escapar da morte, mas o assassino em fuga esmagou uma de suas mãos ao pisoteá-la (sabe como é, mão machucada é um velho problema de família...). Aí o garoto cresceu alimentando o desejo de vingança, mas só tem uma pista sobre o autor do pérfido crime: seu finado pai gritou o nome "Thompson" antes de tomar os pipocos.


Já adulto e supostamente tão rápido no gatilho como o pai, o filho de Django parte em sua missão de vingança que o leva até Topeka City, uma cidadezinha que enfrenta seus próprios problemas: dois grandes fazendeiros rivais estão envolvidos numa guerra sangrenta, e sempre acaba sobrando tiros para os moradores inocentes do lugar. Ou seja, a velha historinha de cidade dividida entre duas quadrilhas, outra citação ao "Django" original (ou, quem sabe, a "Por um Punhado de Dòlares", ou "Yojimbo"!).

Nosso herói descobre que um dos rancheiros é Ferguson (Daniele Vargas, tão popular no papel de vilão no cinema italiano quanto José Lewgoy no cinema brasileiro); e o outro, adivinhe, se chama Thompson (Pedro Sanchez), e no passado foi um grande amigo de Django. "Muy amigo", pelo jeito, considerando que seu nome foi o último que Django pronunciou antes de ser morto covardemente.


Mas é claro que a coisa não é tão simples quanto parece. Investigando o caso, Jeff descobre que tudo pode ter sido um plano para incriminar o pobre Thompson, e o culpado seria alguém bem mais poderoso. Por sorte, o filho de Django pode contar com uma ajudinha inesperada: a mira infalível do sacerdote da cidade, o Padre Fleming (Guy Madison!), que no passado foi um famoso pistoleiro e também um grande amigo do falecido Django!

O FILHO DE DJANGO termina com Jeff e o padre levando o inferno a Topeka City, e a vingança do personagem-título inclui um barulhento tiroteio no saloon, onde quase todos os coadjuvantes do filme (entre eles Luciano Rossi, figurinha carimbada nas produções italianas do gênero) perdem a vida. Ironicamente, quando se trata de dar o troco no próprio assassino do pai, o desfecho do filme é tão covarde quanto o ato de matar Django pelas costas, e indigno de alguém que é filho do famoso pistoleiro. Talvez ele tenha puxado pela mãe...


Vingança é um dos temas mais recorrentes no western spaghetti. O próprio Django do Corbucci queria vingar a morte da esposa, lembra? E por mais que o argumento "garotinho que vê o pai ser morto e cresce alimentando o desejo de vingar-se do assassino" seja um dos mais velhos e batidos do gênero, bons diretores geralmente conseguem fazer milagres com o material.

A prova é o excelente "A Morte Anda a Cavalo", de Giulio Petroni, cuja trama é bem parecida - até pensei que O FILHO DE DJANGO fosse cópia desse, mas ambos foram lançados no mesmo ano (1967), e "A Morte Anda a Cavalo" chegou aos cinemas DEPOIS! Só que enquanto Petroni acertou em cheio em todos os departamentos (elenco, roteiro, fotografia, trilha sonora), e entregou uma pequena obra-prima, Civirani, aqui, não consegue fugir do lugar comum.


A trama é burocrática e demora muito para chegar ao que interessa. Assim como o anterior "Django Não Espera... Mata", de Edoardo Mulargia, há uma infinidade de personagens secundários que ganham valioso tempo de cena sem necessidade, e uma "revelação" sobre a real identidade do assassino de Django que sequer é surpreendente, já que todo mundo espera que Daniele Vargas assuma seu rotineiro papel de vilão!

Não contente em gastar um tempão com bobagens, o diretor ainda consegue a façanha de interromper a narrativa com um longo e desnecessário número musical no saloon, em cena que poderia ter ficado no chão da sala de edição sem pensar duas vezes!


Como vários outros diretores de western spaghetti, o veterano Civirani (1917-2008) também começou sua carreira no "peplum" (aquelas aventuras baratas com gladiadores), dirigindo, entre outros, "Hércules Contra o Filho do Sol" (1964). O FILHO DE DJANGO é seu terceiro western, e provavelmente a obra mais conhecida de uma filmografia sem grandes destaques.

Ironicamente, o velho Osvaldo era um respeitado fotógrafo antes de começar a dirigir seus próprios filmes: entre as décadas de 40 e começo dos anos 1960, ele trabalhou fazendo still (fotos de making-of e para divulgação) no set de grandes mestres do cinema italiano, como Luchino Visconti (em "Obsessão"), Federico Fellini (em "Abismo de um Sonho" e "Mulheres e Luzes") e Roberto Rossellini (em "Francesco, Giullare di Dio"). Por isso, é impossível não se decepcionar com um filme feio como este, mal-filmado e mal-fotografado (Civirani também assina como diretor de fotografia), confirmando que ele não aprendeu nada trabalhando com os grandes mestres.


O FILHO DE DJANGO também marca a única participação do finado Gabriele Tinti (1932-1991) num western spaghetti. Nome popular no cinema exploitation italiano (embora tenha trabalhado até com Glauber Rocha e René Clément em sua longa carreira), Tinti hoje é mais lembrado pela cacetada de filmes que fez com Joe D'Amato, e por ter sido o marido da deusa Laura Gemser (a "Black Emanuelle").

E justamente por ter se tornado um ator "cult", é uma pena que o único faroeste de Tinti seja um trabalho convencional como este. Interpretando o filho de um personagem icônico como Django, o ator não tem a mínima presença de cena e parece cambalear pelo filme como um sonâmbulo. Nem mesmo o figurino ajuda, pois na maior parte do tempo o herói veste um sobretudo de pele (?!?) que lhe dá mais aparência de hippie do que de pistoleiro implacável.


Enfim, o astro funcionou tão mal no filme que a publicidade de O FILHO DE DJANGO na época começou a destacar mais a presença do ator norte-americano Guy Madison, que é o parceiro de Jeff na trama, e que nem aparece tanto tempo assim. Popular nos faroestes do seu país de origem, Madison foi "importado" para a Itália ainda na época dos filmes de gladiadores, e logo estava fazendo sucesso nos bangue-bangues italianos, como "Texas 1867", de Enzo G. Castellari.

Pois o ianque realmente é a melhor coisa do filme: embora seu padre pistoleiro apareça pouco, e na maior parte das cenas se limite a dar lições de moral no herói, Madison rouba os holofotes no momento em que pega suas armas e sai pelas ruas da cidadezinha passando fogo nos bandidos, e ainda vestido de sacerdote! Padres-matadores virariam um clichê nas décadas seguintes (recentemente, tivemos Cheech Marin neste papel em "Machete", de Robert Rodriguez), e o próprio Madison voltaria à pele de padre e pistoleiro no posterior e superior "Reverendo Colt" (1970), de León Klimovsky.
 

Ainda que O FILHO DE DJANGO seja tão burocrático quanto os dois outros "Sotto-Djangos" anteriores ("Django Atira Primeiro" e "Django Não Espera... Mata"), pelo menos o herói interpretado por Tinti ganha algumas poucas chances de demonstrar certa habilidade na pistola, que é o mínimo que se espera de alguém com o DNA de Django. Numa delas, ele dá o tradicional tiro que arranca o revólver da mão de um rival, mas em seguida dá outros tiros para manter a arma rodopiando duas ou três vezes no ar! Esse é o tipo de truque que eu espero de um cara com pai tão ilustre!

Já no tiroteio final, Jeff parece não sentir falta da metralhadora que era instrumento de trabalho do pai, e mata uns 20 vilões no tiroteio no saloon. Nesta cena, chama a atenção o realismo dos disparos que estilhaçam o balcão que protege o herói e as garrafas nas prateleiras. Em entrevista publicada no "Dizionario del Western all'italiana", de Marco Giusti, Civirani explicou o porquê do realismo: ele mesmo usou revólver e balas de verdade para atirar nos copos e garrafas!


No fim, a melhor coisa do filme é a música-tema, "They Called Him Django", composta (e cantada?) por Piero Umiliani, tão boa que merecia estar numa aventura melhor. Menos mal que neste caso a justiça foi feita: ela seria reaproveitada na trilha de "Django x Sartana - Duelo Mortal" (1970), de Pasquale Squitieri, um "Sotto-Django" muito superior a este aqui.

O único problema é que a letra da canção é diretamente inspirada na trama de O FILHO DE DJANGO, e lá pelas tantas anuncia: "They call him Django / A coward gun him down / I won't rest easy / Until that coward is found (...) I kill for Django / And for his memory / He was my father / A man of high degree". Portanto, sua reutilização num filme em que Django ESTÁ VIVO E NÃO TEM FILHOS, como o de Squitieri, acaba ficando meio estranha...


Embora seja perfeitamente assistível, é difícil não pensar em O FILHO DE DJANGO como um desperdício, e uma péssima desculpa para se fazer um filme com o nome do personagem. Mal-dirigido e sem maiores atrativos, também é um faroeste burocrático e esquecível.

Por isso, apesar do título, eu confesso que esperaria mais por uma nova aventura do padre-pistoleiro de Guy Madison do que por uma suposta volta do tal "filho de Django", em alguma futura sequência (que, felizmente, jamais foi produzida). Porque o tal Jeff Tracy definitivamente não faz jus ao pai que tem/teve, e, de tão molenga, provavelmente morrerá sem demora num tiroteio próximo, privando-nos assim de conhecer "O Neto de Django"!


PS 1: Nos EUA, O FILHO DE DJANGO foi distribuído com dois títulos alternativos: "Return of Django", para o espectador pensar que veria o herói original ao invés do seu filho, e "Vengeance is a Colt 45", eliminando qualquer referência de parentesco com Django, o que me parece muito mais adequado e respeitoso. Inclusive esta versão chamada "Vengeance is a Colt 45" parece também ter uma montagem diferente, iniciando com a cena do assassinato do pai de Jeff, que na versão italiana só é mostrada lá pelo meio do filme em flashback. Não consegui confirmar a informação, mas várias resenhas em inglês alegam que a história começa com a morte do pai, por isso deixo a dúvida no ar (se alguém tiver mais informações sobre diferentes montagens da obra, por favor entre em contato, pois nem o IMDB esclarece a questão).

PS 2: O famigerado Demofilo Fidani, que já foi chamado de "Ed Wood do western spaghetti", assinou a cenografia do filme, o que explica algumas coisas (tipo a pobreza dos cenários).


Ouça a música-tema "They Call Him Django"



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Il Figlio di Django (1967, Itália)
Direção: Osvaldo Civirani
Elenco: Gabriele Tinti, Guy Madison, Ingrid Schoeller,
Daniele Vargas, Ignazio Spalla, Andrea Scotti, Luciano
Rossi, Roberto Messina e John Bartha.



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