EXECUÇÃO SUMÁRIA (1986)
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EXECUÇÃO SUMÁRIA (1986)



Michael Paré. Hoje o nome é digno de pena, daqueles que você pronuncia com um tantinho de embaraço. Afinal, o cara topa tudo por dinheiro e virou figurinha carimbada no elenco dos filmes do Albert Pyun e do Uwe Boll, isso quando não é figurante de luxo nas novas aventuras vagabundas do Steven Seagal! Paré poderia até estar dando seminários para novos astros sobre como jogar sua carreira no lixo.

Mas nos anos 1980 a história era diferente. Michael Paré era um nome "quente", que, a despeito da completa inabilidade para interpretar, vinha sendo talhado a ferro e fogo para transformar-se no grande astro do momento - mais ou menos como Sam Worthington hoje, embora Paré pareça um ator shakesperiano perto desse sujeito aí. E vamos combinar que saber atuar não era pré-requisito para ser astro nos anos 80...


Em 1983 e 1984, o sujeito engatou uma série de sucessos como protagonista, de "Eddie, O Ídolo Pop" a "Projeto Filadélfia", chegando ao ápice com o fantástico "Ruas de Fogo", de Walter Hill. Talvez por causa desse último, tentaram transformar Paré em herói de ação. E em 1986 apareceu EXECUÇÃO SUMÁRIA, uma aventura que, em teoria, era o veículo perfeito para transformar o sujeito em novo astro do gênero, para competir com Stallone e Schwarzenegger.

Só que a estratégia não funcionou, o filme naufragou e a carreira de Michael Paré começou a decair progressivamente até atingir o fundo do poço do "direto para vídeo/DVD", e finalmente o estágio atual de "ex-astro decadente" nas produções de Uwe Boll e Albert Pyun.


Se não funcionou na época, hoje, pelo menos, EXECUÇÃO SUMÁRIA é uma aventura divertidíssima - mais pelo fator trash inerente às produções de ação daquela década do que pelo seu valor como obra cinematográfica em si. E comprova que, sim, Paré era muito, mas muito ruim.

Nesse filme escrito, produzido e dirigido por um tal de Craig T. Rumar, que surgiu do nada e voltou ao lugar nenhum (este é o seu único crédito), o ator "interpreta" Scott Youngblood, um sargento dos Marines (o Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos) que tem uma ficha invejável e é o novo candidato a Rambo do momento.


Já na cena inicial, Scott arrebenta três terroristas que estavam preparando um atentado contra o embaixador dos Estados Unidos em Paris. Em retribuição, além das honras militares de praxe e de uma promoção para trabalhar em Tóquio, ele ganha do embaixador uma pistola de luxo - que, ao contrário do que parece, não terá nenhum grande papel na trama posteriormente.

O Marine também tem uma bonita irmã, Kim (Lynda Bridges), que vive em Madri, na Espanha, e secretamente trabalha como garota de programa para uma quadrilha de traficantes barra-pesada. Ao perceber que não terá vida longa, a moça telefona para o irmão herói e pede ajuda - em vão, pois é assassinada logo depois. Sem pensar duas vezes, Scott embarca num avião para a Espanha em busca de Kim, apenas para descobrir que ela está morta e a polícia não dá a mínima para o caso.


O resto é aquela rotina nas produções do gênero: o herói ianque alia-se a um espertinho que era amigo da finada, o fotógrafo Jake (Peter Crook), e juntos começam a investigar os responsáveis pelo crime: o traficante Silke (Eddie Avoth) e seu braço-direito Dutch (Scott Del Amo), que foi quem matou a pobre Kim.

Daí para arranjar armas pesadas e desbaratar a quadrilha toda é um pulo, certo?

Errado!

Pois embora EXECUÇÃO SUMÁRIA tenha o título original "Instant Justice" (Justiça Instantânea, em tradução literal), não tem nada de instantâneo no "olho por olho, dente por dente" aplicado por Scott. Pelo contrário, ele perambula por Madri sem fazer grande coisa durante a maior parte do tempo, e o acerto de contas acontecerá apenas nos vinte minutos finais - uma justiça nada instantânea, portanto.


Tanto que no Reino Unido o título do filme é "Marine Issue", bem melhor do que o oficial, e relacionado a uma frase que o embaixador diz ao dar a pistola de presente para o herói: "This is Marine Issue".)

No meio-tempo entre a chegada do herói à Espanha e a vingança propriamente dita, o roteiro enche linguiça colocando Scott para brigar com valentões num bar e depois com traficantes de armas (entre eles, o pobre Aldo Sambrell), quando tenta adquirir pistolas e munição para combater a quadrilha de Silke.

Também gasta um tempão apresentando o interesse romântico do herói, Virginia (a deliciosa Tawny Kitaen, mulher de Tom Hanks em "A Última Festa de Solteiro"), uma das novas garotas do harém de Silke, e a quem Scott irá proteger como uma espécie de compensação por não ter conseguido salvar a vida da irmã.


Há um aspecto interessante em EXECUÇÃO SUMÁRIA que é o desenvolvimento do personagem principal. Quando Scott percebe que suas ações irão ferir o código de honra dos fuzileiros, ele entrega suas plaquetas de identificação (o equivalente ao policial entregar seu distintivo) a um superior, o Major Davis (Charles Napier, garantindo o dinheiro do aluguel). Assim, fica livre para agir "fora da lei" e punir os assassinos da irmã.

Essa evolução progressiva para o "lado negro" lembra a transformação de Paul Kersey em vigilante no primeiro "Desejo de Matar", já que Scott leva um tempão para finalmente virar justiceiro e sair passando fogo nos bandidos (o que novamente coloca em dúvida o título original, "Justiça Instantânea").


Só que Michael Paré não é Charles Bronson, e por isso EXECUÇÃO SUMÁRIA não funciona tão bem como poderia. O coitado nem sequer é capaz de dizer duas frases sem que o texto pareça decoradinho e desprovido de emoção. Em alguns momentos, ele parece até estar lendo as falas de cartões escritos posicionados atrás da câmera!

Menos mal que não dá o show de canastrice sozinho: praticamente todo o elenco parece estar disputando quem é o pior intérprete, da pobre Tawny ao bandido Del Amo, que faz umas caretas vilanescas de doer a barriga de tanto rir. Uma cena romântica entre Paré e Tawny, pré-banho de chuveiro entre os pombinhos, é tão ruim, mas tão ruim, que parece saída de alguma sátira estilo "Corra que a Polícia Vem Aí", e que os atores estão fazendo aquilo de propósito!

(A saber: o herói interrompe uma discussão no meio dizendo que vai tomar banho, a mocinha começa a choramingar que não quer ficar sozinha e corre para baixo do chuveiro com ele, mas ainda VESTIDA!)


Para piorar, o penteado e o figurino anos 80 usados por Tawny são literalmente um horror, conseguindo transformar uma garota linda numa baranga de chorar. O cabelão armado da moçoila é tão exagerado que parece que uma raposa morreu em cima da sua cabeça (é até um alívio quando ela molha o cabelo na cena do chuveiro e ele fica "normal"); já as ombreiras gigantes lembram uma armadura ou roupa de astronauta. E pensar que isso era moda naquela década maldita...

Pela inépcia dos atores e do diretor, e pelo excesso de enrolação para um suposto filme de ação, EXECUÇÃO SUMÁRIA passou de "grande veículo para o estrelato de Michael Paré" a constrangimento para o estúdio que o produziu - ninguém menos que a Warner! É só comparar com produções muito mais baratas da mesma época, tipo os filmes da Cannon, para perceber como o negócio não funciona.


A solução encontrada foi cancelar o lançamento nos cinemas e mandar o filme direto para as videolocadoras no ano seguinte (1987), com uma capinha que explorava ao mesmo tempo o sucesso de Paré em "Ruas de Fogo" e a nova febre do momento, que eram as aventuras à la "Ases Indomáveis"! (A capinha da fita nos EUA dizia: "The star of 'Streets of Fire' unleashes a fury of Top Gun entertainment"!!!)

Hoje, o filme vale principalmente pelas risadas involuntárias. Além das péssimas interpretações, é impossível não rir com a nudez gratuita (num "ensaio sensual" que só existe para mostrar a pobre figurante pelada!) e com as frases de efeito em cenas como a pancadaria no bar, que termina com o herói jogando uns dólares sobre o balcão e anunciando aos sujeitos nocauteados: "Tomem uma na conta do Tio Sam!".


Em tempos de superpatriotismo (era a época do Governo Reagan), o diretor-roteirista Rumar também escreveu um diálogo constrangedor e hoje hilário: quando Scott questiona Jake se ele não vai ajudá-lo, já que "também é americano", o rapaz responde dizendo que não fica "sacudindo bandeiras". Impassível, com aquele olhar de peixe morto à la Stallone, o herói responde: "Bem, mas eu sim!".

E como levar a sério um filme em que o herói invade uma base militar norte-americana (em busca de um novo fuzil experimental) apenas roubando um uniforme e gritando ordens estapafúrdias para todo e qualquer soldado que encontra pelo caminho? Ah, como eram estupidamente divertidas essas aventuras dos anos 80...


O final inclui uma perseguição automobilística razoavelmente interessante na pista de pouso de um aeroporto, talvez o grande momento do filme, com direito a avião pousando sobre um carro e outro veículo capotando e destruindo vários jatinhos convenientemente enfileirados na pista de pouso.

É a melhor cena de ação da película, pois no restante do tempo vemos apenas Paré atravessando vidraças e disparando tiros e sopapos sem muita convicção. Impossível não rir horrores com o trecho em que o herói penetra (opa!) na fortaleza dos vilões e subitamente dá de cara com... um chefe de cozinha karateka! Que bate nele com uma frigideira!


Conseguirá Scott Youngblood encontrar e castigar os assassinos da sua irmã? Conseguirá Virginia abandonar sua vida boa de prostituta de luxo para ficar com o herói? Conseguirá o diretor-produtor-roteirista Craig T. Rumar uma outra oportunidade para mostrar seu talento (ou falta de), considerando que não filmou mais nada de 1986 para cá ?

São perguntas cujas respostas você encontrará, ou não, em EXECUÇÃO SUMÁRIA, uma aventura razoavelmente dirigida e pessimamente interpretada, mas que hoje tem muito valor como comédia.

Portanto, reúna os amigos na sala, prepare a cerveja e ria muito com esse novo clássico do "cinema macho", uma tosqueira no mesmo nível de "Missão Resgate" (aquele com o Brandon Lee) e "Gymkata - O Jogo da Morte".


Quanto a Michael Paré... Bem, ele pode até não ter virado o grande herói de ação da época (quem sabe por culpa desse filme tosquíssimo), mas pelo menos continuou trabalhando, e até hoje tem presença garantida em filmes classe B e C, ganhando honestamente o dinheiro do aluguel e o leitinho das crianças. Envelhecido, até atua um pouquinho melhor (alguém o viu em "Tunnel Rats", do Uwe Boll?).

E ele certamente tem coisas bem mais vergonhosas no seu currículo para lamentar. Afinal, é bom lembrar, o coitado conseguiu a façanha de aparecer nos TRÊS FILMES da série "Bloodrayne"! Perto disso, EXECUÇÃO SUMÁRIA parece até material digno do Oscar!

Dá até vontade de apelar para um trocadilho infame: "Pare, Paré!!!".

PS: Talvez pelo fracasso na época do lançamento, talvez pela ruindade geral, o filme continua inédito em DVD no mundo inteiro. Nos sites de compartilhamento de arquivos, encontra-se apenas uma versão ripada de VHS, e portanto em tela cheia e com imagem apenas razoável. Será que um dia veremos uma versão decente disso? E será que alguém realmente se importa?

A grande cena de EXECUÇÃO SUMÁRIA



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Instant Justice (1986, EUA)
Direção: Craig T. Rumar
Elenco: Michael Paré, Tawny Kitaen, Peter Crook,
Charles Napier, Eddie Avoth, Scott Del Amo, Lynda
Bridges, Aldo Sambrell e Tessa Hewitt.



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