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Django em quadrinhos!
Desde o começo de 2013, o
FILMES PARA DOIDOS publicou 14 resenhas sobre as aventuras oficiais e não-oficiais de Django, além de uma análise geral do universo deste personagem que apareceu pela primeira vez em "Django" (1966), de Sergio Corbucci. Mas a
MARATONA VIVA DJANGO! não estaria completa sem falar de uma página esquecida da trajetória do personagem: a sua breve passagem pelas histórias em quadrinhos, que aconteceu... apenas no Brasil!!!
Até hoje eu acho incrível que os italianos nunca tenham pensado em criar uma revista em quadrinhos com aventuras de Django, sendo eles os pais do western spaghetti e do próprio personagem, além de ávidos criadores e leitores de "fumetti" (nome dado aos quadrinhos por lá). Sem contar que eles são especialistas em HQ de bangue-bangue, e criaram personagens famosos como "Tex", "Zagor" e "Ken Parker". Bem, o caso é que enquanto os carcamanos dormiam no ponto, a honra de transpor Django para os quadrinhos coube aos brasileiros, e mesmo assim durante pouquíssimo tempo (apenas duas edições).
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A história das histórias em quadrinhos do Django começa em 1981, quando o desenhista argentino naturalizado brasileiro Rodolfo Zalla fundou a Editora D-Arte (ele teve um estúdio com este nome nos anos 60-70, através do qual desenhava trabalhos para outras editoras, mas sempre sonhou em entrar para o ramo). Rodeado de outros célebres desenhistas, como Eugênio Colonnese, Luís Meri e Rubens Cordeiro, Zalla resolveu investir na publicação de duas revistas com quadrinhos 100% nacionais.
Uma delas dispensa maiores apresentações: era a "Calafrio", clássica revista com histórias de horror que marcou toda uma geração. A outra, para diversificar, era a
"Johnny Pecos - O Faroeste Sensacional", que trazia histórias de western, e que acabou ganhando uma atenção muito maior dos editores, inclusive com páginas internas coloridas e em papel de melhor qualidade, algo que nunca aconteceu com a "Calafrio" (que sempre foi em preto-e-branco e em papel mais fino).
Hoje pode até parecer uma aposta arriscada, mas naqueles tempos gibis de bangue-bangue faziam muito sucesso no Brasil. O clássico "Tex", por exemplo, na época era publicado pela Editora Vecchi e chegava às bancas em duas revistas diferentes (1ª a 2ª edição, esta última republicando as histórias antigas). "Tex" vendia cerca de 150 mil exemplares por mês no país, e naquele mesmo ano de 1981 tornou-se quinzenal para atender a grande demanda!
Outra prova de que havia mercado era o gibi "Chet", também publicado pela Vecchi entre 1980 e 1982, e que trazia aventuras de um personagem de western criado pelos irmãos pernambucanos Wilde e Watson Portela, visivelmente inspirados no italiano Tex (inclusive Chet é "Tex" ao contrário, com o "X" substituído por "Ch"!). A tiragem mensal desse bangue-bangue 100% brasileiro era de respeitáveis 25 mil exemplares.
Segundo texto do pesquisador Gonçalo Junior no álbum "Calafrio - 20 Anos Depois", os primeiros números de "Calafrio" e "Johnny Pecos" chegaram às bancas no mesmo dia, na semana anterior ao Natal de 1981, com 40 mil exemplares de tiragem e 48 páginas cada em formato europeu.
Mas só um dos lançamentos acertou o alvo, e ironicamente não foi o de bangue-bangue: enquanto o gibi de horror quase esgotou, "Johnny Pecos" mal vendeu 12 mil exemplares - e isso que Zalla esperava uma saída de pelo menos 30 mil gibis. Mesmo assim, o editor resolveu insistir mais um pouco, para ver se a revista deslanchava.
Em seus dois primeiros números, "Johnny Pecos" trouxe aventuras do personagem-título, um mestiço de índio com mexicano criado por fazendeiros americanos (e declaradamente inspirado no western spaghetti "Meu Nome é Pecos", com Robert Woods), e outras histórias curtas que inclusive flertavam com o horror da "Calafrio", volta-e-meia narrando tramas de vingança com finais surpreendentes e irônicos.
A verdade é que as histórias eram curtas e nada memoráveis (ainda mais para uma revista que se auto-proclamava
"O Faroeste Sensacional"!). A pior história de "Tex" e "Chet" ainda era melhor que a mais espetacular aventura de "Johnny Pecos", o que dá uma ideia do nível da revista. O que realmente chamava a atenção nesses dois primeiros números da publicação eram as propagandas de página inteira anunciando:
"Breve: Django, o western spaghetti! Aventuras completas e coloridas".
O que será que Zalla e cia. estavam armando? Uma quadrinização do filme com Franco Nero ou de alguma das suas imitações, a exemplo das fotonovelas produzidas a partir de filmes para a revista "Ringo", da Editora Rio Gráfica?
O mistério acabou em "Johnny Pecos" nº 3, que trouxe a primeira história em quadrinhos de Django. Na verdade, Zalla resolveu criar suas próprias aventuras do personagem, sem nenhum vínculo com as adaptações cinematográficas - e provavelmente sem pagar nada de direitos autorais, também.
A aventura, chamada apenas "Django", era roteirizada por Luis Meri e desenhada por Zalla, em 10 páginas coloridas. Mostrava o herói enfrentando a quadrilha de bandidos mexicanos liderada por Pancho. Django só aparece a partir da quarta página, e lembra pouco o pistoleiro interpretado por Franco Nero (embora fique claro que o ator foi a inspiração para o traço do personagem).
O curioso é que o texto insinua que Django e o mexicano Pancho já se conheciam, e que o herói quer vingar-se dele. Talvez "Pancho" tenha sido inspirado no General Hugo Rodriguez, interpretado por José Bódalo no filme de Corbucci (a roupa, pelo menos, é bem parecida).
Abaixo você confere as 10 páginas da estreia de Django nos quadrinhos (clique para ampliar e ler):
Na edição seguinte, a quarta (publicada em março de 1982), "Johnny Pecos" trouxe uma curiosa chamada na capa:
"Em cores: Django enfrenta Pancho!". Mas peraí... a história anterior tinha terminado com o herói matando seu arquiinimigo mexicano! Bem, como todo leitor de gibis da DC ou da Marvel deve saber, heróis e vilões raramente permanecem mortos nos quadrinhos, e portanto Pancho voltou, ferido, para um segundo round.
Esta nova aventura, também intitulada simplesmente "Django", foi desenhada e dessa vez roteirizada por Zalla (o roteiro ele assinou com seu tradicional pseudônimo "Jota Laerte"). Com 11 páginas, novamente coloridas, traz o herói ouvindo notícias sobre o retorno de Pancho e eliminando o que restou de sua quadrilha, até chegar ao grande vilão... que está agonizando num cemitério (uma ambientação que lembra muito o final do filme de Corbucci).
Abaixo, as 11 páginas da segunda história brasileira de Django:
Esta segunda história termina com Django virando as costas e indo embora sem terminar com o sofrimento do rival moribundo (
"Valente ou não, não me bato com candidatos a cadáver!", justifica), o que deixava um gancho mais do que evidente para um futuro retorno do mexicano duro de matar numa próxima aventura.
Mas o Django dos quadrinhos jamais chegaria à sua terceira aventura: por causa da baixa vendagem, a Editora D-Arte resolveu cancelar "Johnny Pecos" no número 4, substituindo o título por uma segunda revista de horror (para aproveitar as boas vendas de "Calafrio"), chamada "Mestres do Terror", e que foi igualmente bem-sucedida.
O pobre Zalla acabou sofrendo um grande prejuízo no fim das contas, pois acreditava tanto em "Johnny Pecos" que já tinha preparado material antecipado para mais seis números da revista, incluindo - provavelmente - novas aventuras de Django. Todo esse material segue inédito. Anos depois, outras editoras de pequeno porte (Ninja e Noblet) compraram as histórias já publicadas da "Johnny Pecos" e tentaram ressuscitar a revista, mas sempre sem sucesso e sem passar do primeiro número.
Django só voltaria aos quadrinhos (e aos cinemas) 30 anos depois, em 2013: desde o começo do ano, a DC Comics vem publicando nos Estados Unidos, através do seu selo Vertigo, a quadrinização do filme "Django Livre", de Quentin Tarantino, dividida em cinco números (o último está agendado para sair em junho), e com arte de R.M. Guera e Jason Latour (abaixo, uma amostra).
Não seria uma boa oportunidade para alguma editora brasileira resgatar todo aquele material do Django produzido pelo Zalla nos anos 1980, quem sabe até as tais aventuras inéditas que nunca foram publicadas, e fazer um álbum de luxo para colecionadores? Sabe como é, sonhar não custa nada...
PS 1: Eu mesmo escaneei as páginas e capas da minha coleção particular de "Johnny Pecos" para essa postagem, e deu o maior trabalho. Assim, por favor citem a fonte caso queiram compartilhar esse material em qualquer outro site ou blog. Caso contrário, o Django do Rodolfo Zalla sairá atrás de vocês em busca de vingança...
PS 2: Com esse último capítulo, encerra-se - finalmente - a
MARATONA VIVA DJANGO!. Em breve voltaremos à nossa programação normal.
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Um Homem Chamado Django (1971)
Um verdadeiro abismo de qualidade separa a primeira aventura não-oficial de Django dirigida por Edoardo Mulargia (o péssimo "Django Não Espera... Mata", 1967) de sua segunda incursão por essas veredas, UM HOMEM CHAMADO DJANGO. Apenas quatro anos...
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Django, O Bastardo (1969)
(Este filme foi o único "Sotto-Django" que já havia sido resenhado aqui no FILMES PARA DOIDOS antes da MARATONA VIVA DJANGO!, no longínquo 16 de fevereiro de 2009! Para os novos leitores, que não acompanham o blog desde o começo, e para não deixar...
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De todos os "Sotto-Djangos" produzidos depois da estreia do filme de Sergio Corbucci, O FILHO DE DJANGO, de Osvaldo Civirani, foi o que mais facilmente resolveu a questão "Como fazer uma aventura de Django sem Franco Nero no elenco?". Conforme o título...
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Django NÃo Espera... Mata (1967)
O italiano Edoardo Mulargia deve ter gostado muito do "Django" de Sergio Corbucci. Ou então - o que é mais provável - era malandro e sabia que podia faturar uma bela graninha em cima do sucesso deste filme. Num período de quatro anos, entre 1967...
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Lá no começo da MARATONA VIVA DJANGO!, vimos que o sucesso de "Django" nos cinemas europeus fez surgir uma leva de outras aventuras com o personagem, pelo menos no título. Produtores espertalhões simplesmente pegaram faroestes italianos ou espanhóis...
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