Quando eu acabava de assistir LIGHTBLAST, fiquei imaginando o diretor Enzo G. Castellari e o roteirista Tito Carpi, alguns meses antes da produção do filme, compartilhando uma sessão de cinema de "Os Caçadores da Arca Perdida". Fascinado com a cena do derretimento do rosto dos vilões nazistas no filme de Spielberg, Castellari viraria para Carpi e iniciaria um diálogo mais ou menos assim:
- Caramba, Tito! Temos que fazer um filme assim! - Mas Enzo, o Antonio Margheritti já está filmando uma série de cópias do Indiana Jones estreladas pelo David Warbeck, como "Os Caçadores da Serpente Dourada"... - Você não entendeu: o que eu quero é fazer um filme onde as pessoas DERRETAM desse jeito!
E mais ou menos dessa forma pode ter surgido esta pequena e desconhecida produção misturando gêneros (policial, ação e ficção científica), em que o final de "Os Caçadores da Arca Perdida" é triplicado e temos pelo menos cinco derretimentos de pessoas muito legais em stop-motion.
Estas cenas, por sinal, são a principal atração de um filme um tanto rotineiro, que viraria produto descartável em outras mãos, mas acaba um tantinho acima da média por ter como diretor o hábil Castellari. Sem nunca deixar a peteca cair, o veterano Enzo recheou um roteiro raso como um pires (que pode ser reduzido a meia dúzia de linhas) com muitas cenas de ação, que tornam o resultado final bem melhor do que deveria ser.
LIGHTBLAST marca o início de uma época ruim para Castellari e para o cinema italiano em geral. Após o fracasso de seu ambicioso filme anterior, "Tuareg - O Guerreiro do Deserto" (1984), Enzo embarcou numa série de filmes padronizados para atingir o público norte-americano, sem muito destaque e anos-luz distante do que ele fazia antes, como "Striker" (1987, estrelado por Frank Zagarino), até acabar no comando do seriado de TV "Extralarge", com Bud Spencer.
O próprio LIGHTBLAST já tem aquela cara de produto de rotina para americano ver, com filmagens em San Francisco e a presença de um ator popular por lá, mas na época já meio decadente - Erik Estrada, astro do seriado "CHIPS" entre 1977 e 1983.
Erik interpreta um policial durão chamado Ronn Warren, que passa o filme inteiro perseguindo um cientista louco e psicótico, o dr. Yuri Sbovoda (Thomas Moore, aka Ennio Girolami, irmão de Enzo). O vilão desenvolveu um fantástico e mortífero raio laser, e ameaça a cidade com atos de terrorismo, pedindo dinheiro sob a ameaça de derreter pessoas com a arma.
A investigação do herói é relativamente descomplicada (ele encontra todas as pistas facilmente para identificar o cientista), e percebe-se logo que a investigação policial não será o grande destaque do filme. Na verdade, Castellari deu mais atenção para os tiroteios e perseguições de automóvel. Estas, para o leitor ter uma idéia, chegam a cansar, de tanto que se repetem: é praticamente uma perseguição de automóvel a cada 10 minutos.
Na conclusão, Warren persegue o veloz automóvel do vilão pilotando um igualmente veloz carro de stock-car (!!!), voando por aquelas ladeiras de San Francisco que já haviam sido imortalizadas na clássica perseguição do filme "Bullit", dirigido por Peter Yates em 1968. A cena serviria como lição para ensinar cabeças-de-bagre moderninhos a dirigir filmes de ação.
LIGHTBLAST é relativamente curtinho e, com 86 minutos repletos de ação, o espectador praticamente nem vê o tempo passar. Assim, acaba relevando os inúmeros furos de roteiro, e principalmente a inexistência de qualquer desenvolvimento dos personagens. O herói Warren, por exemplo, tem uma esposa, Jacqueline (Peggy Rowe), que só aparece em cena por alguns míseros minutos para ser baleada pelos vilões, e assim motivar uma vingança pessoal do policial contra a organização terrorista. Esta vingaça se dará através de incontáveis e mirabolantes tiroteios em câmera lenta, um dos artifícios preferidos do diretor Castellari.
A verdade é que o filme valeria apenas pelas cenas de derretimento de pessoas em stop-motion, que são muito bem feitas para uma produção barata como esta. Começa com um casal de adolescentes que está transando dentro de um vagão de trem e é acidentalmente destruído quando o dr. Sbovoda está testando o seu raio da morte. Depois vai para uma dupla de locutores de uma corrida de automóveis, derretida pelo vilão como "alerta" para o prefeito de San Francisco. Finalmente, termina com a típica justiça poética: o próprio cientista acaba morto pela sua arma!
Estes "derretimentos" são bastante violentos (clique na montagem abaixo para vê-la em tamanho ampliado), mas o filme ainda traz muitos e ensangüentados buracos de tiro à la Sam Peckinpah, não só no peito, como é tradicional, mas também na cabeça e no pescoço.
E há também tentativas de humor. No início do filme, Warren é enviado disfarçado de garçom para levar comida a uma dupla de seqüestradores que não pensa em se render(isso não tem nada a ver com a trama principal). Para não correr riscos, os meliantes exigem que o "garçom" compareça completamente nu, para não poder levar armas escondidas. E assim somos brindados com uma divertida cena em que Erik Estrada, metido numa ridícula cueca preta, dá cabo dos dois seqüestradores usando uma pistola com silenciador escondida dentro de um frango assado!!!
Talvez o grande problema de LIGHTBLAST - problema este que faz o filme ser tão facilmente "esquecível" - é a falta de um protagonista forte ou mais simpático. Afinal, quem engole Erik Estrada como mocinho fora da série "CHIPS"? Fosse um Franco Nero ou Fabio Testi no papel principal, o resultado seria completamente diferente. Do jeito que está, resta um herói pouco simpático, sem muita motivação, totalmente inexpressivo e apagado, que você esquece horas depois de ver o filme, lembrando apenas das ótimas cenas com efeitos especiais. Não tivesse a violência característica do cinema de Castellari, poderia até ser uma produção feita para a TV, tal a rotina das situações apresentadas.
LIGHTBLAST acabou se tornando uma peça rara na filmografia do italiano. Circula em raras cópias VHS e em alguns DVDs estilo Works Filmes, com cópia retirada da velha fita de vídeo mesmo, mas sem nenhuma remasterização. No Brasil, ele foi lançado em VHS pela Look Vídeo como "A Máquina do Extermínio", em outra fitinha que logo acabou se tornando raridade.
Via Emule ou torrents, infelizmente, a única maneira de localizar o filme é numa versão dublada em italiano, por sinal gravada direto da TV italiana. Mas, para quem quiser ter uma idéia, há algumas cenas da versão em inglês no YouTube, inclusive um dos derretimentos de pessoas.
E se o filme está longe de ser uma das grandes obras de Enzo G. Castellari, ainda assim diverte e traz algumas cenas bem acima da média. Afinal, até os filmes mais fraquinhos do diretor são melhores que muita bobagem que se faz hoje com um orçamento infinitamente maior - e por gente infinitamente MENOS talentosa!
Veja o derretimento de pessoas em LIGHTBLAST
**************************************************************** Colpe di Luce/ Lightblast (1985, Itália) Direção: Enzo G. Castellari Elenco: Erik Estrada, Thomas Moore (Enio Girolami), Michael Pritchard, Peggy Rowe e Massimo Vanni.
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