Um fenômeno que merecia estudo mais aprofundado é o das produções de fundo de quintal que, no começo da década de 1980, praticamente ressuscitaram a febre do 3-D - ferramenta surgida nos anos 50 e que estava em plena decadência. Eu comentei rapidamente sobre isso no meu dossiê sobre pornografia em três dimensões, mas, recapitulando, foi o seguinte:
Esquecido durante duas décadas depois do seu glorioso surgimento, quando ficou relegado a produções pornográficas ou filmes baratos de terror, o 3-D voltou à crista da onda em 1981, graças ao western spaghetti (!!!) "Comin' at Ya!", dirigido por Ferdinando Baldi. Foi um inesperado sucesso de bilheteria. Assim, realizadores de filmes classe B e C perceberam que podiam agregar valor às suas obras mequetrefes filmando-as em três dimensões.
Um desses produtores espertalhões foi Charles Band. Em 1982, Band produziu e dirigiu em três dimensões uma ficção científica com toques de horror chamada "Parasite". O filme custou 800 mil dólares e faturou quase 7 milhões nas bilheterias - além de marcar uma das primeiras aparições nas telas de uma tal Demi Moore.
A grana preta arrecadada por "Comin' at Ya!" e "Parasite" chamou a atenção dos grandes estúdios de Hollywood, que começaram a investir em seus próprios filmes em 3-D, como "Sexta-feira 13 Parte 3", "Tubarão 3" e "Amityville 3" (todos foram batizados com o trocadilho "3-D" no lançamento nos cinemas).
Enquanto isso, Band resolveu aproveitar o sucesso de "Parasite" para rodar uma aventura mais ambiciosa em três dimensões. Investiu mais (2,5 milhões de dólares, uma mixaria para a maioria, mas uma fortuna para os padrões do realizador e da época em que o filme foi feito) e conseguiu um acordo com uma "major" (a Universal) para distribuí-lo nos cinemas.
Nascia assim a sci-fi pomposamente batizada "Metalstorm - The Destruction of Jared-Syn", que, no Brasil, ficou conhecida apenas como METALSTORM mesmo, ao ser lançada em VHS pela saudosa Everest Vídeo.
Essa bizarra mistura de ficção científica pós-apocalíptica pobretona com faroeste e toques de "Star Wars" se passa num futuro distante e em um planeta não-identificado, que pode ou não ser a Terra depois de alguma daquelas catástrofes atômicas tradicionais do cinema dos anos 80.
Ali vive nosso herói, um solitário ranger chamado Dogen, interpretado por um Jeffrey Byron permanentemente com olhos arregalados.
Nesse mundo semi-destruído onde vale a lei do mais forte, Dogen patrulha o deserto num carro-blindado feito com sucata, à la "Mad Max 2", caçando o perigoso vilão intergaláctico Jared-Syn (Michael Preston, de - surpresa-surpresa! - "Mad Max 2"!!!). O sujeito escravizou um povoado de mutantes que têm um olho só (como cíclopes), e tenta dominar o mundo roubando a energia vital das pessoas através de cristais mágicos (?).
Durante uma missão de rotina, Dogen resgata a bela Dhyana (Kelly Preston!!!), cujo pai minerador foi morto pelos homens de Jared-Syn. Juntos, eles tentam encontrar uma mística máscara de cristal (?), que é a única proteção contra os poderes malignos do vilão. Começa uma odisséia de explosões, tiros de pistola laser, maquiagens baratas e muitos efeitos em 3-D que devem ter ficado bem divertidos nos cinemas de bairro.
O roteiro de Alan J. Adler (que também escreveu o anterior "Parasite") não faz muito sentido, como é possível perceber só pelo breve resumo da trama. Na verdade, é mais fácil encarar METALSTORM como um amálgama de tudo aquilo que estava fazendo sucesso na época.
Vejamos: o herói, Dogen, é um policial valentão num mundo árido e semi-destruído, lembrando um certo Mel Gibson e um certo Mad Max. Ele até veste um traje de couro preto muito parecido com o de Max nos filmes australianos, e os carros esquisitos feitos de sucata, usados por heróis e vilões, parecem sobra das filmagens de "Mad Max 2".
Há toques de western (um duelo de "quem saca a pistola laser mais rápido" bem no meio de uma cidadezinha quase deserta), de fantasia medieval (luta de espadas entre o herói e o mais forte dos cíclopes) e de ficção científica bagaceira (a presença de um cyborg cujo braço mecânico, com uma garra na ponta, se estica para agarrar as vítimas).
Finalmente, também aparecem as pistolas laser e os toques "místicos" (máscara de cristal, vilão com poderes sobrenaturais, criaturas mutantes) da série "Star Wars", incluindo uma cena em que o herói persegue o vilão em velozes motos voadoras muito parecidas com as de "O Retorno de Jedi", que foi lançado no mesmo ano (1983). Coincidência?
O sempre divertido Tim Thomerson bate cartão como Rhodes, um soldado aposentado e pseudo-Han Solo que ajuda Dogen na sua busca. Como acontecia em "Star Wars", que mostrava Han Solo como o contraponto bem-humorado à seriedade de Luke Skywalker e de Obi-Wan Kenobi, Rhodes aqui funciona como alívio cômico ao lado do sempre carrancudo herói. Já um dos vilões cíclopes, Hurok, é interpretado por Richard Moll, o Big Ben de "A Casa do Espanto".
O resultado dessa mistureba é muito esquisito, embora estranhamente atrativo e sempre divertido. O filme também é curto demais para incomodar, com menos de 80 minutos de duração, e não nega fogo no quesito ação, com inúmeros "tiroteios laser", explosões de carros e lutas.
Mas é óbvio que, hoje, METALSTORM vale muito mais como retrato de uma época (saiu há quase 30 anos!!!) e pelo fator trash.
Mesmo que Band estivesse trabalhando com mais dinheiro do que a média que usava, fica claro a todo momento que o filme é uma produção pra lá de capenga, e essa pobreza pode ser constatada nos cenários carnavalescos, nas cenas de ação sem grandes malabarismos e nos efeitos especiais quase improvisados.
Os próprios figurinos e maquiagens são tão fuleiros que os vilões parecem ter saído de algum episódio de "Jaspion" ou "Changeman", especialmente o malvadão Jared-Syn. Já o cyborg Baal está bem caracterizado e é uma das melhores coisas do filme: como o ator R. David Smith não tem um dos braços na vida real, foi fácil improvisar o membro mecânico que o personagem usa. É um vilão de respeito, bem melhor que Jared-Syn.
E mesmo que o filme em si não seja lá essas coisas, há um charme difícil de explicar nessa pobreza toda, inclusive nas pistolas de raios que parecem velhos secadores de cabelo adaptados.
Você se diverte (principalmente se estiver assistindo com a turma toda), e fica pensando em como os caras conseguiram fazer aquilo tudo com tão pouca grana, ao invés de, como hoje, ficar indignado por um filme que custou 100 milhões de dólares parecer tão ruim e mal-feito.
Tem uma cena, por exemplo, em que uns vermes extremamente toscos saem da areia do deserto para tentar abocanhar a dupla de heróis. São uns bonequinhos inexpressivos - muito parecidos com fantoches! -, mas é incrível como você aceita a pobreza dos monstrinhos com muito mais naturalidade do que muito bicho feito em computação gráfica nos filmes atuais.
E a Kelly Preston está uma coisinha fofa, mas infelizmente aparece sempre vestida. O que não deixa de ser surpreendente, considerando que ela mostrou os peitos em quase todos os filmes do começo da sua carreira - "A Primeira Transa de Jonathan", "Nenhum Passo em Falso", "Admiradora Secreta"... Pô Kelly, por que foi regular logo aqui, quando você é a única coisa bonita num universo de homens feios e/ou deformados, cenografia indigente e figurinos de segunda mão?
Confesso que queria muito ter visto METALSTORM nos cinemas, com aqueles óculos 3-D feitos de papelão, com lentes azul e vermelha. Porque a obra foi realizada numa época em que os efeitos de três dimensões eram usados para tornar produções baratas, como essa, mais atrativas ao grande público, e não para maquiar a ruindade e a falta de história, como acontece nos blockbusters produzidos atualmente em 3-D.
Se em muitos filmes lá dos anos 80 o 3-D era um artifício bem tosco e gratuito, geralmente usado apenas para mostrar pipocas pulando da panela direto na cara do espectador ou outras bobagens parecidas, em METALSTORM os efeitos de três dimensões são bem criativos.
Mesmo assistindo o filme em formato comum, em "2-D", percebe-se que ele deve ter ficado muito divertido em três dimensões, pois a toda hora alguma coisa é apontada direto para a câmera, pronta para "sair" da tela: pistolas que disparam laser, carros que aceleram para cima do espectador, o braço mecânico do cyborg que se estica e até um sujeito que atravessa o pára-brisa do carro em câmera lenta e "sai da tela" junto com os cacos de vidro! Band podia ser pobretão, mas era bem criativo!
Infelizmente, a aventura nunca foi propriamente lançada em 3-D fora dos cinemas, hoje existindo apenas uma versão retirada do VHS japonês que circula pelos torrents. O DVD "oficial" é um engodo: além de não trazer a versão em três dimensões, os distribuidores ainda cometeram o crime de cortar a imagem para fullscreen, estragando a bela fotografia original em wide. Para dar uma idéia de como ficou, compare as versões original em 3-D e cortada nos lados e 2-D nas imagens abaixo:
METALSTORM também marca o "momento George Lucas" de Charles Band. Ao assegurar a distribuição da Universal, que lhe garantia mais cópias do filme em mais salas de cinema, o produtor-diretor acreditou que tinha uma mina de ouro nas mãos - sempre pensando no grande lucro de seu "Parasite".
Em parceria com o roteirista Adler, resolveu transformar a trama de Dogen, Jared-Syn e cia. numa trilogia: o sucesso do original - que era algo certo, para o realizador - asseguraria a realização de outros dois episódios. Portanto, apesar do subtítulo "A Destruição de Jared-Syn", a aventura termina com o vilão escapando (!!!), e o herói Dogen assegurando que irá continuar sua caçada para quem sabe finalmente "destruí-lo"!
Band planejou até uma linha de produtos baseada no filme, com revistas em quadrinhos, brinquedos e roupas. Mas a estréia de METALSTORM foi um fiasco: o público da época não se deixou levar apenas pelos efeitos em 3-D, como acontece hoje, e saiu dos cinemas reclamando que a história não fazia nenhum sentido; a crítica também destruiu o filme.
Resultado: a produção de 2,5 milhões de dólares mal se pagou, faturando 5 milhões até sair de cartaz. E se você lembrar que o longa anterior de Band, "Parasite", custou 800 mil e arrecadou 7 milhões, imagine o banho de água fria que foi para o coitado.
Mas, de certa forma, o fracasso de METALSTORM fez bem a Charles Band. OK, ele não pôde mais brincar de George Lucas dos pobres, não pôde lançar sua linha de produtos com merchandising e nem completar sua suposta trilogia.
Por outro lado, atribuiu o resultado negativo à distribuição da Universal e resolveu criar sua própria empresa, a Empire Pictures, que a partir de 1985 engatou uma bem-sucedida série de filmes de horror e ficção científica de baixo orçamento, produzindo "Reanimator", "Do Além", "Duro de Prender", "Catacumbas", as franquias "Trancers" e "Puppet Master", entre outros.
(E até hoje Band faz piada, em entrevistas, com o título do seu filme, considerando que não há nenhuma "metalstorm/chuva de metal" e Jared-Syn nunca é destruído, como o título promete!)
Já os engravatados de Hollywood não aprenderam nada com o episódio. No mesmo ano, a Columbia produziu uma espécie de "primo rico" de METALSTORM, o clássico do Cinema em Casa "Spacehunter - Aventuras na Zona Proibida", de Lamont Johnson. Parece até um remake do filme de Band, com Peter Strauss no lugar de Jeffrey Byron, Molly Ringwald no de Kelly Preston e Michael Ironside como cyborg malvado, e também filmado em 3-D. O orçamento foi milionário perto de METALSTORM, e por isso o tiro no pé foi maior: "Spacehunter" custou 14 milhões e faturou apenas 16 milhões nos cinemas. Mas é tão divertido e ridículo quanto seu "primo pobre".
Depois dele, e de outros fracassos semelhantes, os estúdios começaram a ficar temerosos em relação ao 3-D, e o recurso acabou esquecido. Isso praticamente até alguns anos, quando o cinema em 3-D voltou à moda, agora com técnicas mais modernas, mas um vazio ainda maior em relação a roteiro e criatividade.
E quando um filme toscão como METALSTORM parece ter mais história para contar do que um "Avatar", por exemplo, é porque realmente o recurso de três dimensões atingiu seu ponto mais baixo: um legítimo engana-trouxa. Eu, particularmente, não faço questão de ver filmes modernos em 3-D, até porque eles raramente valem o investimento (o ingresso é muito mais caro do que o de um filme "normal").
Fico me perguntando, também, até quando vai durar essa modinha estúpida, que só está rendendo um montão de filmes com cenas que não fazem nenhum sentido quando vistas em 2-D. Mais do que nunca, precisamos de boas histórias e bons filmes - não de efeitinhos mequetrefes que só funcionam como enfeite.
PS: Eu não poderia encerrar essa resenha sem destacar a excelente trilha sonora do irmão de Charles, Richard Band, muito melhor que o próprio filme.
Trailer de METALSTORM
******************************************************* Metalstorm - The Destruction of Jared-Syn (1983, EUA) Direção: Charles Band Elenco: Jeffrey Byron, Tim Thomerson, Kelly Preston, Michael Preston, Richard Moll, R. David Smith, Larry Pennell, Mickey Fox e William Jones.
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