Ninfas diabólicas
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Ninfas diabólicas


Finalmente tive a oportunidade de assistir a NINFAS DIABÓLICAS (1978), de John Doo.

Eu considerava esse filme importante por várias razões: por ser o longa de estréia de um diretor que faria vários filmes interessantes de horror nos anos seguintes; por ser a primeira parceria entre ele e Ody Fraga, que participou da maioria dos roteiros de horror da Boca do Lixo; por ser um exemplo do trabalho de Ozualdo Candeias na direção de fotografia; por reunir duas musas do cinema erótico brasileiro - Aldine Miller e Patrícia Scalvi -no encalço de Sérgio Hingst; por ser um dos filmes mais lembrados e menos exibidos da pornochanchada paulista.

E fiquei feliz ao descobrir que eu não era a única a valorizar esse filme. Na histórica exibição de NINFAS DIABÓLICAS (numa cópia nova em película feita pela Cinemateca Brasileira) no dia 01 de maio de 2010, do CCBB-SP, encontrei vários outros "caça-fantasmas" do cinema nacional, para usar as palavras do Remier Lion. Ele, aliás, também estava lá, coordenando o debate que reuniu, após a sessão, a atriz Patrícia Scalvi e o montador Maximo Barro.

A ausência óbvia de John Doo se fez sentir, mas a filha dele, que estava lá, contou a (triste) notícia de que ele se encontra há mais de um ano na UTI de um hospital por causa de um acidente vascular. Estamos todos torcendo pela recuperação dele!

Mas, enfim, ao filme...

Segundo nos contou Maximo Barro, NINFAS DIABÓLICAS deveria ter sido apenas um dos segmentos de um longa em dois episódios. Filmado em sua maior parte ao ar livre e durante o dia, contrastaria com um outro episódio de estilo mais expressionista, filmado num ambiente fechado e repleto de espelhos. Embora esse segundo filme não tenha sido feito, parece-me que pode ser o "germe" do que seria O GAFANHOTO, episódio dirigido por Doo do longa Pornô, realizado pela Dacar (produtora de David Cardoso) em 1981.

Ainda segundo o montador, NINFAS foi planejado para ser filmado primeiro, e, já nos primeiros dias de filmagem, percebeu-se que estava ficando muito longo. Diariamente, os negativos eram revelados e enviados para Maximo Barro, que avisava à produção o que deveria ser refilmado, quais planos estavam faltando etc.

Então, quando o diretor e o montador perceberam que o média-metragem estava ficando muito extenso (o que faria o longa ultrapassar a metragem máxima de 90 minutos, que era a solicitada pelos exibidores para os filmes nacionais), decidiram fazer um filme só. E, apesar do roteiro claramente estar "esticado", essa parece ter sido uma decisão acertada, por várias razões.

Primeiro, porque a produção contava com pouquíssimos recursos bancados pelo próprio John Doo, que tinha na época uma empresa de publicidade e, segundo o Maximo Barro, tinha o plano de se destacar como diretor de cinema após a experiência fracassada e não creditada com o filme O puritano da Rua Augusta (1965), de Mazzaropi, em que ele consta apenas como assistente de direção.

Segundo, porque o prolongamento do filme ofereceu espaço para exercícios de estilo do diretor (que já mostrava alguma maturidade em seu primeiro longa "oficial") e para a exploração dos tempos mortos, dando a NINFAS DIABÓLICAS um ritmo bem particular - que, após a sessão, chegou a ser comparado por espectadores a algumas obras de Jesus Franco ou de Walter Hugo Khouri.

Teceiro, porque a suposta "falta de assunto" deu ao fotógrafo Candeias a chance de explorar, com a câmera, a belíssima paisagem da praia do litoral norte paulista, do céu, do mar e dos corpos das atrizes, o que acaba, de certa forma, "documentando" o processo das filmagens. Isso fica evidente, por exemplo, nas indisfarçáveis queimaduras de sol que vitimaram Patrícia Scalvi e Sérgio Hingst ao longo das semanas em que ficaram na praia.

Filmado em parte na cidade de São Paulo e em (maior) parte numa praia de Caraguatatuba, NINFAS DIABÓLICAS conta a história do executivo Rodrigo (Sergio Hingst) que, numa manhã comum, despede-se da esposa, pega o carro, liga a rádio Eldorado para ouvir as notícias do dia (solução interessante para a dificuldade de sonorização do carro, e que acabou datando e ao mesmo tempo reforçando o caráter de documento histórico do filme), deixa as crianças na escola e pega a estrada em direção a São José dos Campos, onde deve atender a um cliente.

Logo no começo da viagem, ele vê duas lindas colegiais (Aldine Miller, como Ursula; Patrícia Scalvi, como Circe) pedindo carona. Aparentemente, por sentir-se culpado ao ter negado carona a uma moça oriental quando ainda estava na cidade, ele acaba decidindo levar as duas jovens, que logo se revelam bastante sedutoras - especialmente Ursula, que se senta no banco da frente.

Elas, então, convencem Rodrigo a ir até uma praia para viver uma pequena aventura. Ele, já totalmente seduzido por Ursula, aceita o convite.

Mas, já no caminho, o espectador percebe que Circe, sentada no banco de trás e aparentemente pouco interessada no processo de sedução que ocorre no banco da frente, tem poderes de controlar a realidade, provocando acidentes na estrada.

Chegando finalmente à praia, Rodrigo e Ursula saem juntos, enquanto Circe fica sozinha. O casal transa à beira mar, mas, quando decide ir embora, percebe que Circe desapareceu. Além disso, o carro não está funcionando, o que os obriga a ficar. Enquanto Rodrigo vai atrás de Circe, percebemos que as duas moças têm uma ligação telepática e uma espécie de "roteiro" para seguir - roteiro este que não parece ser novidade para nenhuma delas.

Rodrigo encontra Circe e ela o seduz numa cachoeira, mas diz que só poderá consumar o ato sexual se, antes, eles amarrarem Úrsula, impedindo-a de ter uma reação violenta. Rodrigo aceita o estranho pedido, e os dois voltam à casa abandonada à beira mar, onde encontram Ursula nua e apavorada. Ela foge dos dois, mas acaba sendo morta pela amiga com uma pedrada na cabeça. Rodrigo fica chocado, mas cede aos encantos de Circe, indo depois embora com ela no carro que volta a funcionar.

Na estrada, Ursula reaparece no banco de trás, nua e ensanguentada, e começa a provocar Circe. Rodrigo não a vê e parece não entender o que está acontecendo, mas as duas brigam e o carro acaba caindo numa ribanceira (numa cena muito bem filmada com três cameras).

Em seguida, vemos as duas recompostas subindo o barranco. De volta à estrada, trocam os figurinos e os papéis: agora, Circe está na posição da moça sedutora. Um carro dirigido por um jovem oriental (interpretado pelo irmão de John Doo) oferece carona às duas. Elas aceitam e começam um diálogo muito semelhante ao que haviam tido com Rodrigo.

Fim

Consta que NINFAS DIABÓLICAS teve um significativo sucesso de público. Segundo nos contou Maximo Barro, o filme foi lançado primeiro em Curitiba (como era freqüente na época). Mas, lá, curiosamente, a principal questão levantada pelo público foi relativa à numerosa presença de atores de origem oriental fazendo pequenas pontas.

Outro dado curioso em torno dos bastidores do filme foi revelado por Scalvi. Segundo ela, durante as filmagens, dezenas de pessoas se aglomeravam nas árvores, pedras e morros da praia para ver as atrizes filmando sem roupa.

Há mais coisas interessantes para comentar, como os belos créditos de abertura ilustrados por um dos funcionários da empresa de publicidade de Doo (que faz uma ponta do filme); alguns diálogos muito engraçados e cafajestes, típicos de Ody Fraga; a trilha eletrônica de Rogério Duprat; a estrutura em loop do roteiro, que era bastante comum nos filmes de horror da Boca; o cenário de praia, também recorrente nos filmes paulistas do período; as imagens do trânsito horrível de São Paulo já nos anos 1970 etc.

Mas, enfim, este é só um texto para documentar minhas primeiras impressões. Voltarei a NINFAS DIABÓLICAS mais adiante.

Leia também:
Texto de Marcelo Carrard
Rara entrevista com Patrícia Scalvi (no blog de Leandro Caraça)
Patricia Scalvi por Andrea Ormond
Grandes filmes perdidos da Boca, por Matheus Trunk
Ficha técnica completa da Cinemateca Brasileira



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