O SÁDICO BARÃO VON KLAUS (1962)
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O SÁDICO BARÃO VON KLAUS (1962)



No livro "Guida al Cinema Giallo e Thrilling Made in Italy", os autores Antonio Bruschini e Antonio Tentori enumeram os elementos que compõem o legítimo "giallo" (termo usado para definir aqueles ultra-estilizados filmes de mistério feitos na Terra da Bota): um assassino com luvas negras à solta matando belas garotas de forma violenta; o elemento whodunit?, ou seja, a investigação da identidade do matador, e geralmente por uma pessoa "comum" (não um detetive ou policial); o vilão movido por algum distúrbio psicológico; trabalho de câmera e trilha sonora mais artísticos e exagerados e menos realistas; e, finalmente, ter sido produzido na Itália, é claro!

Assim, Bruschini e Tentori confirmam a opinião praticamente unânime de que "La Ragazza che Sapeva Troppo / The Girl Who Knew To Much" (1963), de Mario Bava, seria o primeiro giallo oficial. Porém, se não fosse por uma das atribuições desta lista dos autores (a de o filme ter sido obrigatoriamente produzido na Itália), um espanhol chamado Jess Franco seria o verdadeiro pioneiro do giallo, graças ao seu filme O SÁDICO BARÃO VON KLAUS!


O SÁDICO BARÃO VON KLAUS foi lançado em 1962, alguns meses antes do filme de Bava chegar aos cinemas de Roma (o que aconteceria apenas em 10 de fevereiro de 1963). Mas já traz todos esses elementos que aparecem em "La Ragazza che Sapeva Troppo", além de outros que só veríamos em filmes posteriores do próprio Mario Bava - como "The Whip and the Body" (1963) e "Blood and Black Lace / Sei Donne per L'Assassino" (1964)! É mole?

Originalmente intitulado "La Mano de un Hombre Muerto", este segundo filme de horror de Franco (novamente assinando como "Jess Frank") é uma óbvia tentativa de capitalizar em cima do sucesso do anterior "O Terrível Dr. Orloff". Inclusive o título internacional, "Le Sadique Baron Von Klaus / The Sadistic Baron Von Klaus", parece ter sido escolhido para não deixar dúvidas de que esta é uma obra do mesmo responsável por "Dr. Orloff".


A exemplo do seu terror anterior, o próprio Jess assinou o roteiro de O SÁDICO BARÃO VON KLAUS, e novamente usou o pseudônimo "David Khunne" e a brincadeira de que o filme teria sido baseado num livro de mentirinha deste autor fictício, chamado "La Main d'un Homme Mort" - sim, Franco sempre foi um verdadeiro fanfarrão!

A trama se passa em Holfen, que supostamente fica nos alpes austríacos, mas é apenas mais uma cidadezinha fictícia criada pelo diretor (assim como a Hartog de "O Terrível Dr. Orloff"). Seus moradores vivem aterrorizados por uma velha maldição, rogada 500 anos antes pelo finado Barão Von Klaus, de que a cada noite de lua cheia seu fantasma despertaria para torturar e matar jovens mulheres do vilarejo - da mesma forma que o libertino aristocrata costumava fazer quando vivo.


Com o tempo, a maldição do "sádico Barão Von Klaus" acabou se transformando numa lenda urbana contada sem muita convicção aos estrangeiros que chegam a Holfen. Inclusive o filme começa com dois caçadores, Angel e Theo (respectivamente Serafin Vázquez e Manuel Alexandre), narrando a história para um visitante, o Dr. Kalman (Angel Menéndez), e para o próprio espectador.

Por ironias do destino, no dia seguinte os próprios Angel e Theo acabam encontrando o cadáver mutilado de uma garota, e é claro que atribuem o assassinato à maldição do Barão Von Klaus! Isso atrai até a cidade um investigador da cidade grande, o Inspetor Borowsky (Georges Rollin), e também o jornalista Karl Steiner (Fernando Delgado).


As suspeitas recaem sobre a família Von Klaus, que ainda vive num velho castelo nas margens da cidade. Ali, o descendente direto do barão maldito, Max Von Klaus (Howard Vernon), cuida da irmã moribunda, Elisa (Maria Francés). Logo também aparecem seu jovem sobrinho, Ludwig (Hugo Blanco), acompanhado pela noiva Karine (Paula Martel), já que a velha Elisa está prestes a bater as botas.

Nos próximos dias, o corpo de uma segunda jovem, que estava desaparecida, é encontrado igualmente mutilado no pântano; e Ludwig recebe da tia à beira da morte a chave que abre uma porta fechada há centenas de anos no calabouço do castelo, e que dá acesso à velha câmara de tortura de Barão Von Klaus (afinal, onde já se viu um velho castelo de filme de horror sem câmara de tortura?).

Qual a relação entre esses acontecimentos? E quem será o misterioso assassino de chapéu, roupa preta e luvas negras que passa a dizimar o elenco feminino noite após noite?


Fotografado em belíssimo preto-e-branco pelo mesmo Godofredo Pacheco de "O Terrível Dr. Orloff" (um dos melhores diretores de fotografia com quem Franco trabalhou em sua longa carreira), O SÁDICO BARÃO VON KLAUS se desenvolve como um típico giallo, apesar de - repetindo - não ser uma produção italiana.

Enquanto o misterioso maníaco sexual ataca e mata belas garotas (usando como arma uma bela adaga com centenas de anos de idade), e o representante oficial da lei, que é o Inspetor Borowsky, se perde no emaranhado de pistas falsas e múltiplos suspeitos, caberá ao jornalista Steiner a responsabilidade de descobrir "por fora" a identidade do matador, como é frequente nos thrillers italianos.


Jess desfila um amplo repertório de imagens já conhecidas e referências a filmes e livros de mistério, da silhueta do assassino aparecendo na janela de uma vítima em potencial a ambientações tipo velhos castelos com câmara de tortura (tem até um esqueleto de plástico pendurado na parede!), cemitérios, as ruas desertas do vilarejo à noite e pântanos.

Mas é interessante constatar que, a exemplo de "O Terrível Dr. Orloff", O SÁDICO BARÃO VON KLAUS está numa fase de transição entre o horror gótico/clássico dos velhos filmes da Universal (e suas imitações), que abusavam dos castelos, cemitérios e teias de aranha, e um horror mais moderno, entre o macabro de "Psicose" (1960) e a escatalogia de "Banquete de Sangue" (1963). Afinal, o vilão aqui não é um vampiro, lobisomem e nem um cientista louco, como o Dr. Orloff, e sim um monstro bem humano, porém degenerado, que mata suas vítimas com requintes de crueldade.


Também a exemplo do que fez em "O Terrível Dr. Orloff", o diretor parece disposto a provocar a rígida censura espanhola do período, ao ultrapassar os limites do que era permitido mostrar na telona.

Um ano antes do clássico de Mario Bava "The Whip and the Body" (1963), em que Christopher Lee aparecia chicoteando uma seminua Daliah Lavi, O SÁDICO BARÃO VON KLAUS já tem cena semelhante evocando sexo e sadomasoquismo, mas consideravelmente mais forte, e talvez por isso reservada para o ato final do filme.


Esta cena inclusive é o ponto alto, e foi cortada das cópias exibidas na Espanha por motivos óbvios (que atendem pelo nome de General Francisco Franco). Primeiro, o assassino arrasta uma jovem vítima (interpretada pela argentina Gogó Rojo) para a masmorra do castelo dos Von Klaus, onde aproveita o fato de ela estar desacordada para despi-la. Ela então volta a si, mas o vilão a tranquiliza... praticando sexo oral na moça!!!

É isso aí, você não leu errado: em pleno ano de 1962, num filme de horror e não-pornográfico, é representada uma cena de sexo oral deixando bem pouco para a imaginação do espectador, com direito à jovem atriz com os seios de fora e até um plano fechado da sua expressão de prazer ao atingir o orgasmo! Por muito menos que isso (uma cena de banho que não mostra praticamente nada), "Psicose" criou a maior polêmica apenas dois anos antes!


Terminada a putaria, ao invés de acender um cigarrinho ou virar pro lado e dormir, o vilão é dominado pelos seus impulsos violentos e começa a chicotear sua vítima violentamente. Finalmente, arrasta a desfalecida garota e a acorrenta, ainda seminua, ao teto da masmorra, agora para torturá-la usando um ferro em brasa!

Ainda que o desfecho desta cena (a tortura com a ferramenta incandescente) seja off-camera, vamos lembrar, mais uma vez, em que época O SÁDICO BARÃO VON KLAUS foi filmado: imagine o impacto provocado no público quando aquele filme de mistério chatinho de repente se transforma num show de sadismo (quase) sem censura, com uma garota seminua sendo chupada, chicoteada e torturada durante longos minutos! Transgressor, para dizer o mínimo!


Esta também pode ser considerada uma das primeiras investidas de Jess no terreno das fantasias sadomasoquistas do Marquês de Sade, um autor que reapareceria inúmeras vezes em sua filmografia, principalmente a partir do final da década de 70 - começando com citações em "Necronomicon" e finalmente uma adaptação oficial de obra do autor, "Santuário Mortal", em 1968.

O próprio Barão Von KIaus parece ter sido inspirado no próprio Sade, já que um diário escrito por ele, e encontrado na câmara de torturas pelo seu jovem descendente Ludwig, revela seus devaneios sádico-eróticos que lembram muito a filosofia do Marquês: "Espero que essas memórias sejam usadas pelos meus descendentes como um guia, uma iniciação em um mundo apaixonante de sensações raras e desconhecidas, um mundo sedutor e trágico construído de dor e de sangue, do trágico erotismo de todos os sentidos, que finalmente termina em morte". 


Obviamente, a cena gerou polêmica no lançamento e foi extirpada de várias montagens: a versão lançada na Espanha, por exemplo, não continha nem sexo oral, nem chicoteamento, nem tortura (tudo isso acontecia off-screen). E quando o cadáver da moça torturada era encontrado na masmorra por Steiner, uma camisa cobria os seios nus da atriz, no tipo de take alternativo que Franco acostumou-se a gravar para não ter problemas com os censores.

A versão completa do filme foi considerada perdida até meados dos anos 2000, quando a Image lançou nos Estados Unidos o DVD com uma edição quase completa. Infelizmente, ainda falta uma cena inicial pré-créditos que, segundo relatos de pesquisadores, traz elementos que antecedem tanto o Bava de "Blood and Black Lace" e "Banho de Sangue" (1971) quanto os filmes slasher da década de 1980 ("Sexta-feira 13" e outros).

(Mas, antes que digam que Bava plagiou Franco, é bom lembrar que O SÁDICO BARÃO VON KLAUS só estreou nos cinemas italianos em 1966, com o título "Sinfonia per un Sadico".)



Tal cena pré-créditos, que é considerada um autêntico Santo Graal para os fãs da fase clássica de Jess Franco, mostraria o assassino observando e atacando duas garotas à margem de um lago, numa situação que lembra bastante os slashers pós-"Sexta-feira 13" - até porque, ao contrário do que acontece no restante do filme, desta vez o vilão também aparece mascarado!

Por sinal, estas duas moças são aquelas cujos cadáveres aparecem mais adiante no filme, então o prólogo explica quem são e como foram mortas. Agora é torcer para que esta cena reapareça ainda nesse século...


Sem este prólogo, o que resta em O SÁDICO BARÃO VON KLAUS é um filme de mistério tecnicamente e visualmente competente, mas bem chatinho e enrolado, com mais cenas investigativas do que "horroríficas".

O grande momento é a cena sadomasoquista na masmorra, que só acontece no final, então o restante do tempo é preenchido com looooooongos interrogatórios do Inspetor Borowsky e inúmeras pistas falsas que não fazem a menor diferença, já que a verdadeira identidade do assassino pode ser facilmente adivinhada, até pelo espectador mais distraído, ainda na meia hora inicial do filme.


Dando um desconto para a história fraquinha, o que resta é mais um filme caprichado da fase clássica de Franco, sem os excessos e barbeiragens que ele demonstraria ao longo da sua carreira, e com momentos de deixar qualquer cinéfilo de bom gosto com o queixo caído - como a cena em que Steiner persegue o assassino em fuga por becos escuros cheios de sombras até um macabro cemitério fotografado à noite.

O diretor faz ótimo uso da fotografia em Cinemascope, compondo quadros cheios de elementos nas laterais, incluindo sombras ameaçadoras que crescem como uma ameaça invisível sobre os personagens. O preto-e-branco também cria um clima onírico, já que as cenas ficam incrivelmente brancas à luz do dia (por causa da neve que recobre a cidade) e opressivamente escuras durante a noite.


Mesmo assim, ele não deixa de cometer algumas das suas tradicionais barbeiragens, rendendo momentos involuntariamente engraçados, como aquele em que um personagem caminha durante uma tempestade de neve no plano médio, mas alguns segundos antes e alguns segundos depois, quando a edição corta para o plano geral, não aparece um único floquinho de neve caindo do céu! A nevasca provavelmente começou e terminou enquanto Franco fazia os planos mais fechados do ator, e ele achou bonito e resolveu usar de qualquer jeito, mesmo não havendo tempestade de neve nos outros takes da mesma cena (abaixo)!!!


Entre os pontos fracos, além do ritmo titubeante, está a principal personagem feminina, interpretada por Paula Martel, que é bem fraquinha e não chega aos pés de Wanda em "O Terrível Dr. Orloff". Até porque não foge do estereótipo de mocinha frágil em perigo, sempre gritando ou parecendo mortalmente aterrorizada (e a atriz exagera um pouco nas caras e bocas).

Como uma espécie de precursora das futuras garotas imbecis da série "Sexta-feira 13", a "heroína" também protagoniza um momento em que foge do assassino pela floresta e fica tropeçando e caindo o tempo inteiro, para dar chance de o vilão conseguir se aproximar dela! E com quilômetros de floresta para fugir, ela prefere "se esconder" atrás de uma árvore e virar alvo fácil para o assassino, comprovando que, pelos próximos 20 ou 30 anos, personagens femininas em filmes slasher não aprenderam absolutamente nada!


Geralmente um grande ator nos filmes do amigo Jess, até Howard Vernon aparece apagado aqui: interpretando o grande suspeito dos crimes, Max Von Klaus, Vernon passa o tempo todo agindo de maneira suspeita e fazendo cara de louco, esquecendo que sua interpretação como Dr. Orloff era eficiente justamente porque não caía nesse tipo de caricatura e estereótipo.

(SPOILERS) Felizmente, Franco não foi estúpido o suficiente de colocar Howard Vernon pela segunda vez como vilão, e é claro que a presença do ator aqui é apenas para tentar engambelar o espectador e afastar suas suspeitas do verdadeiro assassino - embora, como eu já tenha dito, é muito fácil identificar a identidade do verdadeiro autor dos crimes. (FIM DOS SPOILERS)


Depois de dois filmes de espionagem ("La Morte Silba un Blues" e "Rififi en la Ciudad", respectivamente em 1962 e 1963) e de um "quase western" ("El Llanero", de 1963), Jess voltaria ao território do horror, e do seu filme mais famoso, em "El Secreto del Doctor Orloff", de 1964. Mas ao invés de cair na armadilha de ressuscitar o personagem, Franco usa seu nome apenas no título, pois o filme enfoca as teorias do Dr. Orloff, e não o próprio em carne e osso.

Por fim, antes de dar um tempo no gênero para dedicar-se a outros projetos mais popularescos, Jess assinou o fantástico "Miss Muerte" (1965), conhecido nos EUA como "The Diabolical Dr. Z", que é praticamente um apanhado de tudo o que ele fez no campo do horror/suspense desde 1961 e "O Terrível Dr. Orloff", fechando com chave de ouro a chamada "fase clássica" do diretor.


E mesmo que este O SÁDICO BARÃO VON KLAUS seja o mais fraquinho da leva, pode funcionar para quem curte o ritmo mais lento - e focado no visual e no clima - dos filmes de horror de antigamente.

Também é interessante para fãs do cinema de horror italiano, que podem constatar como Franco foi visionário ao antever diversas ideias (narrativas e visuais) que o cinema giallo abordaria ao longo das décadas de 60 e 70.


No fim, Jess Franco pode até não ter inventado o giallo; este mérito é do mestre Mario Bava, e com muita justiça. Mesmo assim, o espanhol comprovava desde esses seus primeiros filmes que era um cineasta bem à frente do seu tempo. Já está valendo.



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La Mano de un Hombre Muerto /
Le Sadique Baron Von Klaus
(Espanha, 1962)

Direção: Jess Franco
Elenco: Hugo Blanco, Paula Martel, Fernando
Delgado, Howard Vernon, Gogó Rojo, Georges
Rollin, Ana Castor e Turla Nelson.



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