4D MAN (1959)
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4D MAN (1959)



(Este artigo foi originalmente escrito para o site Boca do Inferno em 2007, mas eu acho que hoje ele se encaixa muito melhor aqui no FILMES PARA DOIDOS. Portanto, ei-lo republicado em versão revisada.)

Eu tinha 14 anos quando vi 4D MAN pela primeira vez (numa sessão do saudoso Cinema em Casa do SBT). À época, já era fascinado por filmes de horror como "Evil Dead" e "O Massacre da Serra Elétrica". Mesmo assim, a imagem relativamente simples e desprovida de sangue/violência de uma mão agonizante saindo de uma parede metálica, exibida no clímax do filme, ainda é uma das primeiras coisas que me vêm na cabeça quando lembro dos filmes de horror que mais me marcaram na infância.

Para começo de conversa, peço licença aos nobres leitores para usar o título original, 4D MAN, muito mais direto e marcante, do que os dois nomes brasileiros. O mais popular é "Quarta Dimensão", com o qual foi reprisado incontáveis vezes na TV brasileira. Mas em seu lançamento nos cinemas brasileiros, em 1962, a obra ganhou um título pomposo e inadequado, "Demônio Enfurecido" (veja anúncio da época acima), que remete mais ao horror sobrenatural do que à ficção científica esperta que realmente é. Ainda acho que a melhor tradução possível seria "O Homem da 4ª Dimensão", mas 4D MAN é legal demais para não usar no original!

E o que é a tal da quarta dimensão? Sem querer me estender na lição de física, sabe-se que existem três: comprimento (ou profundidade), largura e altura. A quarta dimensão, para alguns teóricos, seria simplesmente o tempo (ou dimensão temporal); já outros acreditam que existiria uma quarta dimensão espacial.


Exemplificando de maneira bem simples e direta: nós, seres tridimensionais, enxergamos o mundo em duas dimensões. Se existisse um homem quadridimensional, ele enxergaria tudo em três dimensões. Ao olhar para um cubo, por exemplo, ele veria simultaneamente as suas seis faces e também o que está DENTRO dele. Logo, um observador quadridimensional poderia, literalmente, enxergar a estrutura interna de objetos sólidos. Parece complicado, mas não é...

O assunto é riquíssimo e já deu muito pano para manga na ficção científica. Também rendeu curiosas histórias reais: em 1877, em Londres, um médium chamado Henry Slade foi a júri após declarar que possuía o poder de manipular objetos na quarta dimensão. Acabou sendo acusado de retirar dinheiro de dentro de um cofre fechado sem deixar qualquer sinal. Claro que a existência da quarta dimensão só existe na teoria. Mesmo assim, o físico francês Henri Poincaré (1854-1912) dizia: "Não quebrem a cabeça com a questão da quarta dimensão. É absolutamente impossível imaginá-la, mas mesmo assim ela existe".


Mas chega de física e voltemos ao mundo do cinema...

Na segunda metade dos anos 50, o americano Jack H. Harris, que até então produzia peças de teatro, resolveu investir em filmes. Para dirigi-los, ele contratou um pastor da Igreja Presbiteriana (!!!) que vivia na zona rural da Pennsylvania. Seu nome era Irwin Shortess Yeaworth Jr., um visionário que resolveu espalhar a palavra de Deus através do cinema.

O produtor Harris descobriu, praticamente por acaso, que Yeaworth Jr. e sua turma tinham criado um pólo de produção de filmes religiosos baratos em 35 mm, e percebeu que naquela cidadezinha, usando cenários interioranos e o talento do cineasta/pastor, ele poderia realizar filmes por uma fração do preço das produções de Hollywood.


Resumidamente, foi assim que um ministro da Igreja Presbiteriana foi contratado para fazer filmes de horror/ficção científica a toque de caixa, porque era esse tipo de produção que dava dinheiro na época. Reza a lenda que Yeaworth Jr. só aceitou filmar os projetos de Harris porque queria juntar dinheiro para continuar dirigindo suas próprias produções religiosas (o que lembra a forma como Ed Wood enganou a Igreja Batista para conseguir dinheiro para filmar seu "Plan 9 From Outer Space"!).

Naqueles milagres que acontecem volta-e-meia, produtor e cineasta de primeira viagem acertaram logo na estreia: o filme inaugural da parceria da dupla foi o clássico "A Bolha" (1958), que custou 240 mil dólares, rendeu milhões e transformou um jovem Steve McQueen em astro. Harris vendeu sua obra barata para um grande estúdio e faturou uma bolada para continuar produzindo.


Assim, já no ano seguinte, a dupla voltou com 4D MAN, outro filme relativamente barato, cujo orçamento estimado foi de 240 mil dólares (para comparação, "The Tingler", de William Castle, lançado no mesmo ano, custou 250 mil). O final do contrato entre a dupla foi marcado por "Dinosaurus!" (1960), uma aventura pré-histórica repleta de monstros em stop-motion.

Depois, Yeaworth Jr. abandonou o cinema comercial e partiu para seus filmes religiosos. Desnecessário dizer que ele simplesmente desapareceu do mapa e nunca mais falou-se do sujeito até sua morte, num acidente de carro em 2004. E embora o seu filme mais lembrado seja "A Bolha" (renegado até o fim pelo diretor, que não gostou do resultado), 4D MAN é, de longe, mais interessante e bem-feito.


O roteiro foi assinado por Theodore Simonson e Cy Chermak, baseados numa ideia do próprio produtor Harris, e reciclando ideias da história "O Homem Invisível", de H.G. Wells. Assim como Jack Griffin, o cientista que usava em si mesmo a fórmula da invisibilidade, o homem da quarta dimensão no filme de Yeaworth Jr. fica malvado ao descobrir que seus fantásticos poderes deram-lhe liberdade para fazer tudo o que sempre sonhou e até o que nunca imaginou fazer.

4D MAN começa com a tétrica narração de um locutor e seu "alerta" sobre os perigos da ciência. Como nos filmes de Ed Wood, o narrador anuncia até aquilo que o espectador está vendo e, teoricamente, não precisaria narrar (a chamada "narração para cegos")! Enquanto as cenas mostram um homem sentado num laboratório, por exemplo, o locutor diz: "Um homem, uma ideia, o equipamento, um lugar para trabalhar em segredo... Todos os ingredientes estão aqui".


O homem, que logo descobriremos ser o jovem cientista Tony Nelson (James Congdon, um inexpressivo ator de TV), está operando uma máquina esquisita e tentando atravessar um lápis num bloco de metal. Novamente, o narrador entra em cena com sua voz tenebrosa: "O trabalho de passar um lápis por um bloco de metal está sendo realizado por um homem que sabe que isso não pode ser feito. Mas talvez possa esta noite... O que ele não sabe é que sua obsessão irá transformar um homem em um monstro!".

Enquanto faz sua experiência, Tony não consegue de forma alguma atravessar o lápis no metal. Consegue, entretanto, fazer o equipamento todo explodir, provocando um incêndio em todo o laboratório - na verdade, uma maquete das mais fajutas.


O rapaz é demitido e expulso da cidade. Mas, cabeça-dura como todos os cientistas do cinema, muda-se para a Pennsylvania e vai procurar emprego num gigantesco laboratório de pesquisas, o Fairview Research Center, onde trabalha seu irmão, o dr. Scott Nelson (Robert Lansing). Juntamente com uma equipe que inclui a bela Linda Davis (Lee Meriwether, que foi a Mulher-Gato naquele velho filme do Batman de 1966), Scott está trabalhando no projeto de um material virtualmente indestrutível e impenetrável para a indústria armamentista, chamado "cargonite".

E é ele quem acabará se transformando no "Homem da 4ª Dimensão". Descontente com o trabalho (o chefe assume o crédito por todas as suas descobertas) e desprezado pela mulher que ama, Linda (que acabou se apaixonando pelo seu irmão!), o pobre cientista ainda foi bombardeado por excesso de radiação durante as pesquisas com a cargonite. Quando ele resolve refazer a experiência de Tony com o lápis e o bloco de metal, sua mão inteira atravessa a superfície sólida!


Feliz da vida por ter triunfado onde o irmão tantas vezes falhou, Scott curte a ideia de ter superpoderes e resolve aproveitar seu "dom" - e isso inclui atravessar uma caixa de correio com a mão e puxar uma carta lá de dentro, além de entrar no cofre de um banco para roubar milhares de dólares. E se o diretor do filme não fosse um pastor religioso, talvez também tivéssemos algumas cenas com Scott entrando em vestiários femininos para ver adolescentes tomando banho! Pense como seria uma versão deste filme dirigida pelo Paul Verhoeven ou pelo Eli Roth...

Após uma noite abusando do seu poder de atravessar paredes, o "Homem da 4ª Dimensão" amanhece com o cabelo grisalho e o rosto cheio de rugas, como se tivesse envelhecido 15 anos da noite para o dia. Este é o efeito colateral dos seus superpoderes, mas ele logo contornará o pequeno problema "roubando o tempo" de outras pessoas - ou seja, atravessando-as com seu corpo etéreo e matando-as no processo! É chegada a hora da vingança...


Na minha humilde opinião, uma das piores coisas quando você assiste filmes dos anos 1950 ou anteriores é que, salvo algumas exceções, eles são muito ingênuos. A maioria dos produtores e diretores tinha medo de chocar o espectador, por isso quase tudo que acontecia de "ruim" era mostrado fora do ângulo da câmera, ou off-screen.

4D MAN é um típico filme ingênuo dos anos 50, com todos os defeitos pertinentes às produções da época. Mas a história é tão boa e interessante que os pequenos defeitos não incomodam. Embora a narrativa seja exageradamente lenta para os padrões atuais (Scott só começa a demonstrar seus fantásticos poderes após 50 minutos de tempo rolando!), o filme nunca fica chato, conseguindo prender a atenção do espectador até a última - e marcante - cena.


Claro, cenas como as do romance de Tony e Linda, com seus beijinhos inocentes e até um piquenique romântico com direito a brincadeiras num parquinho infantil, hoje são inofensivas e de certa forma hilárias, incluindo diálogos risíveis - quando Tony recusa uma dança com Linda, por exemplo, ela responde: "Quer que eu me sinta velha e feia?".

Mas descontando esse detalhe, e um tema musical à base de jazz que soa um tanto deslocado, 4D MAN tem muito mais qualidades do que defeitos. Surpreende, inclusive, que o filme tenha sido dirigido por um pregador religioso, mas não fala em Deus nem em religião a todo momento, nem seus personagens tentam passar mensagens edificantes e/ou religiosas - não há nada sequer parecido com o tom excessivamente carola do "Guerra dos Mundos" de 1953, só para comparar com outra produção do período.


O roteiro também não busca soluções fáceis. Seria muito simples, por exemplo, regenerar Scott no final, já que ele é um personagem relativamente simpático aos olhos do público antes de se transformar no "4D Man". Entretanto, o roteiro prefere seguir por uma trilha mais tortuosa, mostrando lentamente a transformação de um cara gentil e legal num homicida megalomaníaco e com planos de dominação mundial.

Se em "O Homem Invisível" o cientista Jack Griffin passava para o "lado negro" simplesmente porque podia, e porque seus poderes permitiam, Scott aqui é um autêntico personagem de tragédia grega, eternamente em choque com a figura do próprio irmão. Tony não só rouba o interesse romântico de Scott (coisa que já havia feito no passado!), como ainda surge com uma experiência de atravessar superfícies sólidas justamente no momento em que seu irmão mais velho acabou de desenvolver um novo metal supostamente invulnerável, a cargonite! Logo, Scott Nelson tem motivos mais do que suficientes para se transformar num criminoso com sede de poder e de vingança. O falecido Robert Lansing (aqui em sua estreia no cinema!) consegue compor um vilão de respeito, sem apelar para caretas ou gargalhadas sinistras.


Mas se há algo que brilha em 4D MAN são os efeitos especiais, criados por Bart Sloane (que só trabalhou neste filme e no anterior "A Bolha"). Pode até soar estranho elogiar os efeitos especiais de um filme barato dos anos 50, quando os diretores preferiam cortar a cena no meio e deixar tudo na imaginação do espectador a tentar reproduzir façanhas mirabolantes com os efeitos jurássicos que tinham em mãos.

O caso aqui é complicado, já que Scott utiliza seus poderes diversas vezes ao longo do filme, fugindo através de paredes, tornando-se "transparente" para que balas lhe atravessem e passando por cercas eletrificadas como se elas não existissem. Todas essas trucagens são muito bem realizadas, numa mistura de técnicas fotográficas simples (tipo a mão do ator passando POR TRÁS do objeto, e não PELO MEIO DELE, mas com a câmera posicionada de forma a não permitir que o espectador perceba) com alguns efeitos mais elaborados em chroma-key (esses utilizados com economia). E se algumas destas cenas continuam legais até hoje, fico imaginando a surpresa dos espectadores na época em que o filme foi lançado nos cinemas ("passar pela porta" ganha um novo sentido, rendendo até uma inspirada piadinha).


Inteligentemente, os roteiristas Simonson e Chermak incluíram uma cena que mostra ao espectador que Scott pode controlar seus poderes de quarta dimensão, conseguindo ficar "sólido" para abrir uma maçaneta ao invés de simplesmente atravessá-la com a mão. Essa única cena de 10 segundos corrige o que poderia ser um grande furo do roteiro: no estado de quarta dimensão, Scott teoricamente não poderia nem caminhar, pois atravessaria a Terra de um pólo a outro sem existir em "forma sólida"!

Além de Lansing e de Lee Meriwether, que virou "cult" depois de interpretar a Mulher-Gato no filme "Batman - O Homem Morcego" (vale lembrar que quem fazia o papel no seriado era Julie Newmar), 4D MAN tem outra celebridade no elenco: uma jovem Patty Duke, em pequena participação como uma das vítimas de Scott. Três anos depois, com apenas 16 anos de idade, ela ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por "O Milagre de Anne Sullivan" (1962).


Há algum tempo, num daqueles longos bate-bocas que acontecem em fóruns de discussão, alguém comentou que não conseguia entender como as pessoas ainda conseguem assistir filmes antigos nos dias de hoje. Eu queria muito ver a reação desse sujeito a 4D MAN, um filme "antigo" que, guardadas as devidas proporções, não foi tão afetado pela idade avançada. Aliás, descontando cortes de cabelos, roupas e algumas frescuras típicas daqueles tempos, a obra de Yeaworth Jr. continua tão boa e impressionante quanto na época em que foi lançada - ao contrário dos dois outros filmes do cineasta, que envelheceram mal.

Inclusive eu lamento que a parceria entre o diretor Yeaworth Jr. e o produtor Harris tenha encerrado prematuramente com apenas três filmes. Fico imaginando o que viria numa quarta produção conjunta dos dois, depois de uma bolha assassina do espaço sideral, um homem que atravessa paredes e rouba tempo das pessoas e uma aventura pré-histórica com dinossauros em stop-motion...


Infelizmente, o chamado religioso levou embora um criativo e pouco conhecido cineasta do mundo da fantasia. Talvez Yeaworth Jr. tenha sido mais feliz dirigindo seus filmes evangélicos dos quais ninguém nunca ouviu falar. Mas o cinema de horror e ficção científica, definitivamente, perdeu um nome com bastante potencial.

E num mundo atual onde produtores inescrupulosos estão refilmando até produções feitas no ano anterior, confesso que gostaria de ver uma versão moderna de 4D MAN. Com os efeitos maravilhosos dos tempos atuais, o Homem da Quarta Dimensão poderia realizar façanhas ainda mais estrambólicas do que aquelas dos anos 50 - tipo fugir a pé por uma rodovia simplesmente atravessando pelo meio dos carros!

Com um nome digno na direção, e não o videoclipeiro desempregado do momento, poderia sair algo muito legal disso. Mas, claro, incluindo sangue, sexo e mulher pelada desta vez, já que os tempos, para o bem e para o mal, são outros!


Trailer de 4D MAN (em alemão!)



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4D Man (1959, EUA)
Direção: Irvin S. Yeaworth Jr.
Elenco: Robert Lansing, Lee Meriwether, Patty

Duke, James Congdon, Robert Strauss, 
Edgar Stehli e George Karas.



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