HOLLYWOOD BOULEVARD (1976)
Filmes Legais

HOLLYWOOD BOULEVARD (1976)



Com a câmera armada no tripé e pronta para filmar, um diretor de cinema orienta seus dois atores, que estão fora do quadro: "Bobbi, esta é sua grande cena. Sua fala é a mais importante, ela representa toda a essência do filme, entendeu? Então vamos lá: Ação!". A câmera começa a rodar e os atores - um homem e uma mulher completamente pelados! - finalmente entram no quadro, ela com um facão apontado para ele, ameaçando: "Get it up or I'll cut it off!" (Levanta esse troço ou eu corto fora!).

Só esta cena simbólica já dá uma idéia do que é HOLLYWOOD BOULEVARD, comédia de 1976 perdida nas poeiras do tempo, ao mesmo tempo uma homenagem e uma sátira irônica às pequenas produtoras que, com um mínimo de recursos e condições, rodavam exploitation movies baratíssimos, repletos de sexo e violência, para exibição em drive-ins na década de 70. "Homenagem" porque o filme inclui toneladas de referências a pessoas e produções da época (inclusive cenas de outros filmes, usadas na edição); "sátira irônica" porque a história é um retrato cômico, porém bastante fiel, do que fazia a própria produtora New World, de Roger Corman, que bancou esta comédia.


Escrito por Danny Opatoshu com o pseudônimo Patrick Hobby (ele depois escreveria o ainda mais alucinado e engraçado "Get Crazy"), HOLLYWOOD BOULEVARD foi a chance que o produtor Corman deu a dois jovens colaboradores da New World para que dirigissem seu primeiro filme, desde que o fizessem em tempo recorde (10 dias) e com um orçamento minúsculo até em comparação às produções baratas rodadas por Corman na época (custou 60 mil dólares).

Os jovens colaboradores, então completos desconhecidos, eram Allan Arkush ("Rock'n'Roll High School", "Get Crazy") e Joe Dante ("Piranha", "Gremlins"). E este primeiro trabalho está no nível do que ambos fariam depois: maluco e anárquico, porém nostálgico e respeitoso ao universo em que ambos se criaram, o dos filmes classe B.

A história começa com uma ingênua garota do interior, Candy Hope (a bela Candice Rialson), chegando a Hollywood com o objetivo de tornar-se estrela de cinema. Mas ela não consegue emprego nos estúdios por ser inexperiente na área. Após participar, sem querer, de um assalto a banco, ela acaba se associando a um agente picareta chamado Walter Paisley (o eterno coadjuvante Dick Miller, aqui em raro papel principal), e, através dele, vai parar nas produções baratas da Miracle Pictures (cujo slogan é: "Se é um bom filme, é um Milagre"!!!).


Sempre sob a direção do excêntrico cineasta Erich Von Leppe (Paul Bartel, ele próprio um cineasta cult na época!), Candy acaba estrelando exploitation movies como "Machete Maidens of Mora Tau" (rodado nas Filipinas!!!) e "Atomic War Brides", que começa como um roteiro de aventura nos anos 50 e se torna ficção científica pós-apocalíptica no decorrer das filmagens!!!

Há ainda um mistério a resolver: várias atrizes da Miracle Pictures andam morrendo misteriosamente em "acidentes", como pára-quedas que não abrem e tiros de verdade disparados pelas armas de figurantes (cena que antecedeu em duas décadas a morte real do ator Brandon Lee no filme "O Corvo"). Quem será o misterioso assassino? O diretor Von Leppe? A estrela ciumenta da produtora, Mary McQueen (interpretada pela musa de Bartel, Mary Woronov)? O roteirista frustrado Patrick (Jeffrey Kramer)? Ou o produtor P.G. (Richard Doran), que costuma selecionar suas atrizes transando com elas na traseira de uma van?

O roteiro de HOLLYWOOD BOULEVARD é o que menos interessa, já que o filme na verdade é uma seqüência caótica e não-linear de piadas/homenagens ao mundo do cinema, que inclusive pode ser vista como se fossem quadros isolados, estilo "Amazonas na Lua".


Fãs de cinema em geral vão se divertir muito: a citação já começa com o título, uma brincadeira com o clássico "Crepúsculo dos Deuses" (no original, "Sunset Boulevard"). Já as tralhas da Miracle Pictures mostram cenas retiradas de "clássicos" reais da New World, como "Ano 2000 - Corrida da Morte", "The Big Bird Cage", "Sombras do Terror" e "Big Bad Mama".

O Von Leppe de Bartel (que parece estar interpretando ele mesmo) é a síntese dos cineastas exploitation. Nas filmagens nas Filipinas, ele explica às suas atrizes, vestidas com enormes decotes e portando metralhadoras: "Sua motivação é... massacrar 3.000 soldados asiáticos!", e na cena seguinte vemos as moças metralhando indiscriminadamente multidões de figurantes filipinos (em cenas tiradas de "The Big Bird Cage" e "The Big Doll House", ambos produzidos por Corman e dirigidos por Jack Hill nas Filipinas).

O mesmo Von Leppe tenta convencer Candy que uma cena sensacionalista de estupro coletivo por nativos filipinos é "o sonho de toda atriz", e não perde a pose nem quando os figurantes levam a coisa a sério demais e se recusam a atender a ordem de "corta!" do diretor!

Mais adiante, durante as filmagens de "Atomic War Brides", aparecem cenas, carros e figurinos de "Ano 2000 - Corrida da Morte", que o próprio Bartel havia dirigido em 1975 com David Carradine e Sylvester Stallone. A cena em que figurantes usam qualquer fantasia existente no depósito da produtora para criar "mutações pós-apocalípticas" é hilária, e lembra muito filme bagaceiro onde isso foi feito de verdade. Quando uma atriz reclama que uma das "mutações" não passa de um figurante com uma máscara de gorila, o produtor P.G. simplesmente coloca um capacete de astronauta na cabeça do figurante, dizendo: "Agora é uma mutação simiesca". Trata-se, claro, uma homenagem ao ridículo "Robot Monster", dos anos 50, onde o grande vilão era um gorila com um escafandro na cabeça!


Há toneladas de outras referências ao cinema barato daquela época: quando Candy, Walter e Patrick vão à pré-estréia de "Machete Maidens of Mora Tau" (num drive-in!!!), outros dois filmes são exibidos, "Zombie in the Attic" e "Moonmen from Mars" (!!!), o primeiro aproveitando cenas com Boris Karloff retiradas de "Sombras do Terror", e o segundo mostrando um ridículo e sangrento duelo entre monstros bagaceiros (asquerosamente semelhantes a um pênis e uma vagina), tirado de "Battle Beyond the Sun", ambos também produzidos por Corman.

E mais: Dick Miller interpretou um personagem chamado "Walter Paisley" em "A Bucket of Blood" (dirigido por Roger Corman em 1959), e uma sangrenta cena de assassinato a punhaladas foi dirigida por Joe Dante com inspiração confessa nos filmes do italiano Mario Bava! De tão violenta, a tal cena de esfaqueamento acabou sendo utilizada em outros filmes produzidos pela New World (posteriormente rebatizada Concorde), como "The Slumber Party Massacre" e "Vampiro das Estrelas".

Quem não é do ramo também pode se divertir com HOLLYWOOD BOULEVARD, mesmo sem pegar estas citações todas. Não tem como não rir imaginando que muitos filmes classe B da época (principalmente os da New World) realmente eram realizados da mesma forma que as produções da Miracle Pictures, e sempre estrelados por garotas ingênuas que não tinham vergonha de tirar a roupa diante das câmeras sonhando se tornar grandes estrelas de cinema.

Uma ótima cena mostra Candy e duas outras atrizes (interpretadas pelas gatas Rita George e Tara Strohmeier) revoltando-se quando um dos membros da equipe de filmagens vai espiá-las tomando banho de sol de topless - e isso que elas ficaram completamente nuas durante a maior parte das cenas gravadas momentos antes. "Se quer ver nossos peitos, vai ter que pagar a entrada!", reclama uma delas. Como todo bom filme sobre o universo exploitation, HOLLYWOOD BOULEVARD também está repleto de cenas gratuitas de nudez e violência!

Para tornar ainda mais saborosa a brincadeira, o elenco tem diversas caras conhecidas em pequenas participações. Além de todos os já citados, o diretor Joe Dante aparece como figurante numa festa chique de Hollywood, ao lado de Forrest J. Ackerman (editor da antológica revista Famous Monsters of Filmland), do roteirista Opatoshu, do futuro diretor Lewis Teague (de "Alligator" e "Olhos de Gato") e até do robô Robby, do clássico sci-fi "Forbidden Planet"!!!


Também surgem, em pequenas participações, os cineastas Allan Arkush, como um xerife; Jonathan Kaplan ("Acusados"), como o diretor de produção da Miracle Pictures, e Jonathan Demme ("O Silêncio dos Inocentes"), vestindo uma fantasia de Godzilla!!! Só estas participações já fazem de HOLLYWOOD BOULEVARD um autêntico FILMES PARA DOIDOS!

O mais irônico é que tanto Dante quanto Arkush se dedicaram de corpo e alma à produção desta sua primeira obra por pensarem que não teriam outras chances no cinema! Sorte que esta previsão pessimista não se tornou realidade: um logo saltou para os blockbusters, mas mantendo aquele climão de classe B das produções que dirigiu para Roger Corman ("Gremlins", por exemplo, é um típico filme B com orçamento classe A, e tem até Dick Miller no elenco!); o outro teve tempo de fazer uma das melhores comédias dos anos 80, "Get Crazy", antes de cair no limbo dos produtores de filmes para a TV...

PS 1: Infelizmente, HOLLYWOOD BOULEVARD ficou tão obscuro com o tempo que não há vídeos do filme no YouTube, apenas este divertido clip da música "Everybody's Doing It", por Commander Cody and his Lost Planet Airmen, que invade uma cena de romance da película. Como a música é divertida (e a interpretação da banda idem), fica como aperitivo para entrar no clima do filme.

PS 2: Várias piadas acabaram sendo reaproveitadas em outros filmes. É o caso de "Amazonas na Lua", co-dirigido por Joe Dante, onde aparece um exploitation movie produzido pela "Miracle Pictures", inclusive com a reprodução do já clássico slogan "Se é um bom filme, é um Milagre".

PS 3: Em 1988, Corman produziu e Steve Barnett dirigiu "Hollywood Boulevard 2", lançado em vídeo no Brasil como "Um Filme Muito Louco". Apesar do título original, é um remake, e não seqüência, do filme de 76. No elenco, as atrizes pornô Ginger Lynne e Tracy Lords.

Videoclip de "Everybody's Doing It"



Joe Dante fala sobre HOLLYWOOD BOULEVARD



****************************************************************
Hollywood Boulevard (1976, EUA)
Direção: Joe Dante e Allan Arkush
Elenco: Candice Rialson, Mary Woronov, Paul
Bartel, Rita George, Jeffrey Kramer, Dick Miller,
Richard Doran e Tara Strohmeier.



loading...

- Filmes De Mentirinha Que Eu Queria Ver - Parte 2
MANT! Se alguém duvida que Joe Dante é um dos cineastas mais criativos da geração de pupilos de Roger Corman, "Matinee - Uma Sessão Muito Louca" (1993) é um belo argumento para mudar de ideia. Neste filme, que se passa em 1962, Dante resgata o...

- The Kentucky Fried Movie (1977)
É incrível a quantidade de boas comédias que ficaram inéditas em nossas videolocadoras, nunca ganharam uma segunda chance em DVD e hoje são praticamente desconhecidas para toda uma geração. É o caso deste THE KENTUCKY FRIED MOVIE, que, pelas...

- Deathsport (1978)
"No ano 3000 não existirá mais Jogos Olímpicos, Super Bowl ou Copa do Mundo. Só existirá DEATHSPORT!" A frase do cartaz, o argumento do filme, o título, a presença de David Carradine e a produção de Roger Corman levam o espectador a acreditar...

- Rock'n'roll High School (1979)
Em tempos de merdas como "High School Musical" (no momento em que escrevo estas linhas, "High School Music 3" está sendo exibido nos cinemas brasileiros em cópias dubladas e, pior, fazendo dinheiro!), nada melhor do que lembrar dos velhos tempos em...

- Cannonball (1976)
Você sabe que CANNONBALL é um autêntico FILME PARA DOIDOS, além de um daqueles "clássicos cult" de todos os tempos, só pela cena em que um afrescalhado chefão da máfia (feito pelo próprio diretor do filme, Paul Bartel) come um balde de frango...



Filmes Legais








.