Diz a lenda que HOLLYWOOD BOULEVARD 2 foi filmado em 1989, mas lançado comercialmente apenas no ano de 1992. Hoje, percebe-se uma irônica coincidência na data de lançamento: no mesmo ano de 92, Robert Altman produziu o impagável "O Jogador", uma demolidora sátira aos bastidores da indústria de cinema de Hollywood. Ora, pois HOLLYWOOD BOULEVARD 2 é exatamente o outro lado da mesma moeda: uma demolidora sátira aos bastidores da indústria de cinema de BAIXO ORÇAMENTO de Hollywood, sendo que o próprio filme foi produzido com baixíssimo orçamento.
Trata-se, como o título já anuncia, de uma obscura seqüência da comédia dirigida por Joe Dante e Allan Arkush em 1976. Enquanto o original nunca foi lançado no Brasil, a seqüência chegou com o título "Um Filme Muito Louco" pela F.J. Lucas. E o termo "seqüência" é generoso, já que esta suposta "Parte 2" é apenas uma refilmagem disfarçada do original.
Naquela época, a Concorde (produtora de Roger Corman) estava entupindo as locadoras com novas versões dos seus clássicos dos anos 70 - são da mesma época os remakes de "Piranha" e "Humanoids from the Deep", além de seqüências picaretas do tipo "Rock'n'Roll High School Forever".
A trama é basicamente a mesma do filme de 76: Candy Chandler, uma jovem e ingênua aspirante a atriz, muda-se para Hollywood e acaba arrumando emprego como figurante das produções bagaceiras da Miracle Pictures (cujo impagável slogan, como no primeiro filme, é: "Se for um bom filme, é um Milagre"). Ela se apaixona pelo roteirista Woody (Ken Wright, de "O Príncipe das Sombras"), e acaba ganhando o papel principal quando todas as outras atrizes da Miracle Pictures morrem em misteriosas explosões - alguém da equipe parece estar sabotando as produções com intenções misteriosas.
Enquanto o original tinha a bonita Candice Rialson no papel principal, HOLLYWOOD BOULEVARD 2 ganha disparado na comparação ao colocar a ex-atriz pornô e musa da geração "anos 80" Ginger Lynn Allen como estrela, em um dos seus poucos destaques em filmes não-pornográficos. E é claro que a moça não se faz de rogada na hora de aparecer nua, mostrando os peitinhos numa divertida cena de sexo protagonizada diante de uma tela de cinema que exibe imagens de cavalos e cabras!
Mas esta talvez seja a única qualidade desta continuação/refilmagem comandada por Steve Barnett (que anos depois dirigiria o divertido terror-gore "Pesadelo Futuro". O velho Guia de Filmes Nova Cultural, que às vezes tinha seus momentos de sabedoria, definiu muito bem: "O humor é mais caótico do que engraçado". Bem por aí, e fico imaginando para que tipo de público estavam produzindo esta suposta "comédia", que não se decide entre fazer piadas infantilóides, cinismo, sátira ou humor negro.
Além disso, a maior parte de HOLLYWOOD BOULEVARD 2 é "Hollywood Boulevard 1" com outros atores e as melhores piadas repetidas. Há o diretor estrangeiro metido a Stankey Kubrick, mesmo quando dirige produções classe Z sobre amazonas peladas (papel feito por Paul Bartel no original, e aqui assumido pelo desconhecido Kelly Monteith); a ambiciosa atriz veterana que não suporta ver uma estreante conseguindo os melhores papéis (Mary Woronov em 1976, a desconhecida Michelle Moffett aqui) e o roteirista pau-pra-toda-obra que vai mudando páginas dos roteiros conforme a necessidade financeira (Wright, substituindo Jeffrey Kramer do original).
Assim como o filme de Dante e Arkush, HOLLYWOOD BOULEVARD 2 é uma irônica sátira ao universo do cinema barato, com algumas divertidas piadas auto-referenciais, como o diretor se queixando ao produtor que o dinheiro sempre vem antes da arte (isso enquanto filma cenas com um bando de gostosas de shortinho metralhando soldados nas Filipinas!), ou a figurante reclamando que suas cenas são apenas uma desculpa para mostrar os peitos e a bunda (a reclamação é feita, ironicamente, enquanto ela mostra os peitos e a bunda).
Além disso, os dois filmes foram realizados a partir de cenas de outras produções de Roger Corman, adicionadas habilmente na montagem de forma que não se percebe a "malandragem". Se o original usava cenas de "Ano 2000 - Corrida da Morte" e "Big Bad Mama", como se fossem os filmes que a Miracle Pictures estava realizando, esta nova versão traz incontáveis trechos de filmes de ação filipinos, aventuras com amazonas (provavelmente tirados de "Amazons" ou "Barbarian Queen"), lutas medievais (cenas saídas de "Deathstalker 2") e ficções científicas bagaceiras.
Chega um ponto em que uma das personagens declara: "Filmes são ilusão!". Considerando o próprio HOLLYWOOD BOULEVARD 2, a declaração torna-se ainda mais verdadeira: é só as atrizes aparecerem disparando metralhadoras ou entrando num helicóptero que a edição corta diretamente para cenas tiradas de outros filmes, numa costura hábil que até engana - acredito que os realizadores tenham filmado apenas uns 40% de novas cenas, e o resto é tudo trechos reaproveitados!
Mas a repetição desta técnica de colagem cansa, e logo perde a graça tentar adivinhar de que filme foram "emprestadas" as cenas utilizadas. Se em "Hollywood Boulevard" a brincadeira era usada com economia, na Parte 2 ela ocupa o maior tempo do filme, deixando de lado as saborosas brincadeiras com a precariedade e a guerra de egos nos bastidores da produção classe B norte-americana.
Há ainda algumas brincadeiras razoavelmente engraçadas com "Apocalypse Now" e "O Massacre da Serra Elétrica", e piadinhas nonsense advindas das comédias do trio Zucker e Abrahams, como as "legendas para cego" das fotos abaixo. Sim, este é o nível das piadas ENGRAÇADAS do filme. Agora imagine as que não são...
Mesmo com todos os seus defeitos, HOLLYWOOD BOULEVARD 2 vale como curiosidade por trazer um time de "celebridades B" em pequenas participações: Eddie Deezen ("1941") como o contador da Miracle Pictures, Robert Patrick (pré T-1000 do "Terminator 2") como cameraman, o crítico cult Joe Bob Briggs como ele mesmo e o diretor Barnett como o rapaz da claquete; numa festa da turma do cinema, também aparecem o produtor Corman e os diretores Joe Dante, Deborah Brock ("Slumber Party Massacre 2"), Howard Cohen ("Deathstalker 4"), Jim Wynorski ("Chopping Mall"), Rod Lurie ("A Última Fortaleza") e Allan Arkush (que co-dirigiu o original). O IMDB também anuncia uma ponta de Traci Lords "as himself", mas não consegui visualizar a musa no filme.
Menos divertido que o original, HOLLYWOOD BOULEVARD 2 também vale como um dos poucos filmes a representar de maneira apaixonada, embora satírica, o universo do cinema independente e bagaceiro - algo que Tim Burton levaria à perfeição no maravilhoso "Ed Wood", de 1994.
Todo fã de cinema ou realizador independente tem a obrigação de conhecer essas produções, não só para ver a balbúrdia que acontece por trás das câmeras, mas também para reconhecer o esforço desses malucos que transformam sonhos em imagens (mesmo que estes sonhos envolvam loiras seminuas disparando metralhadoras nas Filipinas).
Trailer de HOLLYWOOD BOULEVARD 2
******************************************************* Hollywood Boulevard 2 (1989/1992, EUA) Direção: Steve Barnett Elenco: Ginger Lynn Allen, Kelly Monteith, Eddie Deezen, Michelle Moffett, Ken Wright e um monte de participações especiais.
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