Em tempos de merdas como "High School Musical" (no momento em que escrevo estas linhas, "High School Music 3" está sendo exibido nos cinemas brasileiros em cópias dubladas e, pior, fazendo dinheiro!), nada melhor do que lembrar dos velhos tempos em que filmes sobre rebeldia juvenil podiam ser engraçados e ainda pregar o rock-and-roll como "ferramenta" para combater as instituições sagradas - entre elas, escola e família. E poucas produções trabalharam tão bem esta proposta quanto o clássico cult ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL, dirigido por Allan Arkush em 1979.
Hoje mais famoso pela presença dos ainda iniciantes (mas já famosos) Ramones, que participam com músicas na trilha sonora e também ao vivo, interpretando eles mesmos, ROCK'N'ROLL HIGH SCHOLL é o típico filme que todo mundo sabe que existe, mas pouca gente realmente viu (até porque ele continua inédito em nossas locadoras).
Trata-se de uma divertida comédia "nonsense", absurda e com uma mensagem hoje politicamente incorreta até o talo. Para vocês terem uma idéia, no final, auxiliados pelos seus ídolos punk rockers, os estudantes da Vince Lombardi High School declaram guerra (literalmente!) aos diretores, professores e aos seus pais caretas, explodem a escola e destróem provas, livros e históricos escolares - tudo porque a diretora da instituição ousou combater o rock-and-roll e queimar os discos dos Ramones numa fogueira, à moda nazista!
Como detonar uma escola com sua banda preferida
A trama em si não é novidade desde "Rock Around the Clock", filme de 1956 que já trazia o ritmo musical preferido da juventude (então ainda uma curiosa novidade) como catalisador das aventuras de adolescentes rebeldes ("Rock Around the Clock" contava com a presença de uma banda de sucesso na época, Bill Halley and the Comets). Mais recentemente, em 1999, a comédia "Detroit Rock City" seguiu o mesmo filão, mas colocando a banda Kiss como "personagem".
Porém a diferença de ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL para estes outros filmes está na forma de contar a história, seguindo a linha caótica de "Clube dos Cafajestes", de John Landis (que havia sido lançado no ano anterior), e de "Hollywood Boulevard", dirigido por Arkush e Joe Dante em 1976. Até o pôster de cinema é bem semelhante ao de "Clube dos Cafajestes"...
Os próprios Arkush e Dante foram os autores do argumento, roteirizado por Richard Whitley, Russ Dvonch e Joseph McBride, em mais um filme barato produzido pela companhia New World, de Roger Corman. Este custou a mixaria de 300 mil dólares, com um calendário de filmagens absurdo que provocou um colapso nervoso em Arkush: ele foi parar no hospital, e o filme teve que ser completado por Joe Dante e Jerry Zucker (um dos diretores de "Apertem os Cintos, O Piloto Sumiu"), que receberiam crédito como "diretores de segunda unidade".
Para dar uma idéia da pobreza da produção, roupas e objetos de cena de outros filmes produzidos por Corman no ano anterior foram "reciclados" aqui (aparece até uma das motos com design futurista da ficção "Deathsport"). E era tão pouco dinheiro que o produtor convidou jornalistas e críticos de música como figurantes (eles trabalhariam de graça, mas poderiam entrevistar os Ramones em contrapartida).
ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL começa sem meias-medidas: alunos bocejam em sala de aula enquanto o professor de música (interpretado pelo cineasta Paul Bartel) fala sobre as maravilhas da música de Ludwig Van Beethoven. E quando ele vai botar um disco com a 5ª Sinfonia de Beethoven para seus pouco interessados estudantes ouvirem, descobre que o aparelho de som sumiu do local onde devia estar. No pátio, a roqueira Riff Randell (P.J. Soles, morta por Michael Myers em "Halloween" no ano anterior) está usando o aparelho para detonar "Sheena is a Punk Rocker", dos Ramones, a todo volume, colocando toda a escola para dançar enquanto se desenrolam os créditos iniciais.
"Do you, do you, do you, do you wanna dance?"
Mas os dias de rebeldia roqueira parecem fadados a um triste fim. Com o antigo diretor da Vince Lombardi High School afastado das suas atividades (ele ficou completamente louco por causa da rebeldia da garotada!!!), assume o cargo a diretora Evelyn Togar (Mary Woronov, excelente no papel). Fazendo o tipo fascista, e sempre acompanhada por dois violentos capangas vestidos como soldados da Segunda Guerra Mundial, a megera pretende botar ordem no galinheiro. E, claro, elege Riff Randell e o rock-and-roll como seus alvos prioritários - ela acredita que, eliminando ambos, conseguirá manter a paz e a ordem na escola, e ainda fazer com que os jovens aprendam alguma coisa.
Só que a missão não será nada fácil: os Ramones, banda preferida de Riff, vão fazer um show na cidade, e ela compra e distribui ingressos para os colegas poderem ver seus ídolos em carne e osso. Paralelamente, Tom Roberts (Vincent Van Patten), o estudante banana do colégio, tenta conquistar a roqueira por quem é apaixonado, sem perceber que a amiga nerd dela, Kate Rambeau (Dey Young), é quem realmente gosta dele. No elenco, também há pontas dos eternos coadjuvantes Dick Smith e Clint Howard (ainda com cabelo!!!).
A história é narrada sem muito compromisso com a lógica, num estilo que depois ficaria imortalizado em comédias malucas tipo "Apertem os Cintos, O Piloto Sumiu" e "Corra que a Polícia Vem Aí!". Lá pelas tantas, por exemplo, a diretora Togar explica ao seu quadro de professores (resumido a três pessoas, porque a produção é baratíssima e não podia contratar figurantes!) os efeitos nefastos do rock-and-roll no organismo dos jovens: ela põe um disco dos Ramones para tocar e um ratinho de laboratório explode ao som da música!!! (Engraçado é que um termômetro, chamado "Rock-o-Meter", mede o nível de intensidade dos acordes em estágios com nomes de bandas em alta na época, como "Deep Purple"!).
Mais adiante, já no concerto dos Ramones, o professor de música (que ganhou um ingresso grátis de Riff para conferir a banda de que nunca ouviu falar) fuma maconha no meio de um rato gigante, cujo comportamento foi modificado nas experiências com o rock-and-roll (efeitos mecânicos de Rob Bottin, que depois pularia para produções como "Grito de Horror" e "O Enigma do Outro Mundo"), e um índio que fuma Cannabis dentro do seu "cachimbo-da-paz"!
Por estas e outras cenas, ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL parece uma espécie de treino do diretor Arkush para realizar o ainda mais caótico e absurdo (e melhor) "Get Crazy", em 1983, onde ele inclusive repete e melhora várias piadas mostradas antes aqui, como o banheiro da escola tomado por uma cortina de fumaça de maconha!
Além de investir na santíssima trindade "sexo, drogas e rock-and-roll", ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL é particularmente divertido (e histórico) pela participação dos Ramones, que brincam com a própria imagem de rebeldia. Não é uma participação especial, tipo o Kiss fez em "Detroit Rock Music" ou o Aerosmith em "Quanto Mais Idiota Melhor 2". Os Ramones realmente são a alma do filme, e aparecem em diversas cenas, seja num delírio de Riff enquanto escuta o disco dos ídolos, seja no show, onde eles aparecem no palco e nos bastidores.
"Rock, rock, rock, rock'n'roll high school"
E é na conclusão que a banda surge como incentivadora da rebeldia dos estudantes, ajudando a detonar a escola e tocando a música-tema, "Rock'n'Roll High School", enquanto o edifício pega fogo e explode, e a diretora fascista, vencida, é levada embora completamente louca como o seu antecessor - enquanto o professor de música careta, já "transformado" pelo som do punk rock e pelo consumo de drogas, afirma que os Ramones são "o Beethoven da sua época".
Enfim, não consigo imaginar um exemplo mais perfeito da vitória da "rebeldia roqueira adolescente" contra o "Sistema" do que este divertido filme, que, quem diria, está para fazer 30 anos. Incrivelmente, nada parecido foi produzido desde então, apesar de uma tentativa frustrada de dar seqüência ao sucesso, "Rock'n'Roll High School Forever", lançada em 1991 e sem os Ramones ou produtores originais na parada - embora a atriz Mary Woronov retorne no papel de diretora vilanesca, desta vez enfrentando... Corey Feldman!!!
ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL tem, claro, vários defeitos para os quais é preciso fechar um olho. E é uma comédia para roqueiros; por isso, quem não curte piadas sobre música (e sobre drogas) não deve passar nem perto. Já para quem é do ramo, o negócio é aumentar o volume da TV até o máximo e curtir 1h30min de pura diversão ao som de diversos clássicos dos Ramones (além deles, a trilha conta ainda com Alice Cooper, Velvet Underground, Brian Eno, Devo, Paul McCartney & The Wings e outros monstros da época). "Rock, rock, rock'n'roll high school"... Pelo menos nos filmes, a vida escolar é bem divertida!
PS: Para terminar, uma má notícia: o filme tem remake programado para 2010! Quem sabe até 2011 alguém não faz o favor de finalmente lançar uma edição especial aqui no Brasil...
Trailer de ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL
**************************************************************** Rock'n'Roll High School (1979, EUA) Direção: Allan Arkush (e Joe Dante e Jerry Zucker) Elenco: P.J. Soles, Paul Bartel, Mary Woronov, Vincent Van Patten, Dey Young, Clint Howard, Dick Smith e The Ramones.
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