DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA (1970)
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DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA (1970)



Em minha resenha sobre "Django Desafia Sartana", apresentei aos nobres leitores do FILMES PARA DOIDOS o diretor italiano Demofilo Fidani (1914-1994), um profissional tão picareta que faz com que outros notórios picaretas do mundo do cinema, como Al Adamson, Bruno Mattei e Godfrey Ho, pareçam cineastas de verdade. Mas se "Django Desafia Sartana" era uma produção mais normalzinha do homem, agora chegou a hora de pegar pesado e falar/escrever sobre DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA, uma obra que pode tanto provocar ataques histéricos de riso quanto incontroláveis rompantes de fúria em cinéfilos mais "sérios".

Por isso, o filme é uma ótima maneira de conhecer o cinema Fidaniano, visto que está repleto do "melhor" e do pior do homem. Sua gênese é, por si só, uma piada pronta: reza a lenda que Fidani estava dirigindo outro western ("Homens Mortos não Fazem Sombra"), quando percebeu que acabaria o serviço e ainda sobrariam algumas diárias com o elenco principal (Jack Betts, Franco Borelli e Gordon Mitchell). Por isso, resolveu rodar um segundo filme, às pressas e de qualquer jeito, sem dinheiro e (praticamente) sem roteiro, reaproveitando o elenco ocioso do outro projeto e também os figurinos, cenários e cavalos!


Devido a questões burocráticas (um único profissional não podia dirigir dois filmes ao mesmo tempo, ou coisa que o valha), Fidani fez com que seu gerente de produção Diego Spataro assinasse como diretor, utilizando o impagável pseudônimo "Dick Spitfire" (que cairia como uma luva para um astro de filmes pornográficos). Mas todos os pesquisadores do gênero concordam que Spataro só colocou seu nomezinho ali: quem dirigiu toda a bagaça foi Fidani, conforme é perceptível pela falta de qualidade geral do negócio.

Àquela altura, o diretor já tinha lançado um "crossover" anterior entre os dois famosões do western spaghetti, Django e Sartana, que foi o já comentado "Django Desafia Sartana", filmado em 1969 e lançado nos cinemas italianos em 1970.


Não há informações sobre a recepção de "Django Desafia Sartana" na época, mas os espectadores devem ter saído putos do cinema ao constatar que "Sartana" na verdade era um outro personagem chamado "Jack Ronson", que somente aos 45 do segundo tempo se identifica uma única vez como Sartana! (Não duvide que esse diálogo foi adicionado de última hora num roteiro SEM Sartana para subitamente transformá-lo num filme COM Sartana...)

Enfim, com DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA Fidani resolveu corrigir este lamentável equívoco e realmente fazer uma aventura estrelada por Django e Sartana, conforme anuncia o título. Ou pelo menos tentou. Bem, vamos aos fatos e vocês entenderão melhor o que eu quero dizer - e também saberão porque o diretor recebeu a alcunha de "Ed Wood do Western Spaghetti".


O "roteiro" escrito por Fidani e por sua esposa Mila Vitelli Valenza começa no covil da quadrilha liderada pelo bandidão Burt Kelly (Gordon Mitchell). Eles acabaram de roubar o ouro do pagamento das tropas de Fort Bellamy, e Burt quer garantir uma travessia tranquila para o México com a fortuna. E como ninguém sugere alguma ideia melhor, ele manda seus homens sequestrarem a bela Jessica Brewster (Simonetta Vitelli), filha de um rico fazendeiro da região, para mantê-la como refém e garantir o salvo-conduto até cruzar a fronteira.

Só que o tiro sai pela culatra: a população da cidade resolve contratar dois famosos caçadores de recompensas para caçar Burt e seus homens. E é claro que estamos falando de Django (interpretado pelo norte-americano Jack Betts, com o nome artístico "Hunt Powers") e de Sartana (Franco Borelli, assinando com o pseudônimo "Chet Davis"). Ao saber da chegada da dupla à cidade, Burt manda seus capangas para resolver a situação, e aí começam as pancadarias e tiroteios de praxe.


E é só isso! O filme se resume a este argumento de meia dúzia de páginas, que deve ter sido rabiscado em poucas horas, e que basicamente funciona como mera desculpa para que incontáveis figurantes tentem matar Django ou Sartana antes de acabar comendo capim pela raiz! Não duvido que os diálogos tenham sido improvisados no momento da filmagem, e tudo relacionado à parte técnica da produção é simplesmente sofrível.

Mas quer saber? Por isso mesmo, DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA é simplesmente divertidíssimo! Claro, se você assistir sozinho em casa, num sábado à noite, esperando por algo mais elaborado, provavelmente vai cuspir fogo de raiva e quebrar o DVD em vinte pedaços. Porém experimente reunir uma turma de amigos na sala e colocar o filme para rodar: em menos de 10 minutos, todos estarão rolando de rir com as incontáveis bobagens do filme!


Fidani realmente se superou aqui, e a picaretagem começa já pelos créditos iniciais, que "reaproveitam" a trilha sonora composta por Coriolano Gori para o filme "Execução" (1968), de Domenico Paolella. A seguir, percebe-se desde as primeiras cenas que o roteiro desconjuntado é uma simples desculpa para uma sequência de cenas de ação, e que tentar seguir a "trama", por mais mixuruca que ela seja, é pura perda de tempo.

A produção é tão furreca que a história toda se desenrola em apenas dois ou três cenários, e sempre nas mesmas externas, onde, lá pelas tantas, podemos ver o que parece ser um grande cactus falso (imagem abaixo) para simular uma paisagem do Velho Oeste. Quer dizer, talvez até seja uma planta verdadeira mais feia que a média, mas, conhecendo Fidani, eu não duvidaria nada da probabilidade do cactus falso...


Visivelmente sem dinheiro e filmando "no improviso", Fidani nunca mostra o tal roubo ao ouro de Fort Bellamy cometido por Burt Kelly e seus homens (o crime é apenas comentado entre os bandidos), nem tenta criar reviravoltas ou situações que façam a "história" andar. Quando digo que DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA se resume a uma sequência de tiroteios envolvendo Django, Sartana e vários figurantes que interpretam os bandidos da quadrilha de Burt, acreditem, não estou sendo injusto nem exagerado.

A coisa funciona mais ou menos assim: vemos Django entrando num saloon e sendo ameaçado por homens de Burt Kelly. Ele toma uns sopapos, dá outros de volta, e termina matando todo mundo. Corta para Sartana em qualquer outro lugar sendo igualmente ameaçado por outros homens de Burt Kelly. Ele toma uns sopapos, dá outros de volta, até finalmente terminar matando todo mundo. E assim sucessivamente até cansar...


O mais hilário é que Django e Sartana nunca se encontram NO MESMO TAKE antes da cena final. Em duas situações diferentes ao longo do filme, um salva o outro das garras dos pistoleiros de Burt. Mas estas cenas são filmadas da seguinte forma: vemos um dos heróis na mira do revólver inimigo, corta para um take dos bandidos caindo fuzilados, corta para um take do herói em perigo olhando para cima ou para o lado, corta para um take do outro herói acenando, tipo "Salvei tua pele!", e então ele vai embora cavalgando, e aí corta de volta para o herói resgatado dando um sorrisinho tipo "Ah, esse Django (ou Sartana), que cara legal!".

A mesma sequência de takes acontece duas vezes: primeiro, Sartana salva Django; depois, Django salva Sartana. Mas os dois personagens só aparecem JUNTOS, dividindo finalmente um mesmo take, no minuto final, quando começam a negociar quais vilões mortos levarão para trocar pelo dinheiro da recompensa. Enfim, é algo inacreditável de tão tosco!


Outros momentos de rolar de rir em DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA envolvem cenas aleatórias adicionadas na montagem apenas para o filme ficar com a duração de um longa-metragem. Isso envolve INCONTÁVEIS takes com os personages cavalgando, filmados para dar a ideia de que a história está andando e algo está acontecendo (não está, nos dois casos). Se um editor decente limasse todas estas cenas de cavalgadas, a duração do filme cairia tranquilamente para uns 45 minutos!

Mantendo o "padrão de qualidade" de outras produções de Fidani, esta também não tem um mínimo de cuidado nem com a mais básica continuidade: o sobrenome do vilão, por exemplo, é "Kelly". Mas em dois momentos, aparece com grafias diferentes: "Kelly" no bilhete escrito após o sequestro da filha do fazendeiro, e "Keller" num cartaz de recompensa!


Já as cenas de apresentação dos dois personagens principais são tão gratuitas, e tão visivelmente filmadas apenas para enrolar, que muitos espectadores provavelmente desistirão do filme ainda nos primeiros 15 minutos.

Django, por exemplo, aparece visitando uma cidade-fantasma. Ele desce do cavalo, pega um alforje e um cantil, e começa a caminhar pelas ruas centrais da vila abandonada, como se estivesse procurando alguém ou alguma coisa. Encontra um sujeito vestindo farrapos e tenta conversar com ele: "Ninguém mais vive aqui?". Não recebe nenhuma resposta, e decide ir embora. A cena não tem qualquer nexo: nunca sabemos o que Django procurava na cidade-fantasma, quem esperava encontrar, ou que diabos de cidade era aquela; mas a "visita" rendeu a Fidani cinco minutos no tempo de duração do filme!


O mesmo acontece na cena de apresentação de Sartana. Contrariando totalmente as características do personagem imortalizado por Gianni Garko na série oficial (iniciada em 1968, e com quatro filmes), Fidani apresenta Sartana como o grande herói e defensor de um vilarejo de mineradores. Por quê? Boa pergunta, que Fidani não se preocupa em responder - a situação toda é apenas uma desculpa para ganhar mais cinco minutos de tempo corrido na narrativa! Ele até inventou um brilhante diálogo entre dois personagens secundários, que de certa forma sintetiza a inexistência de tudo no filme (principalmente motivações para os personagens):

- Quem é aquele?
- Aquele é Sartana. Nós devemos tudo a ele. Durante anos, a vila era pobre e o nosso povo passava fome. Ele nos mostrou como trabalhar nesta mina abandonada. Nós devemos tudo a Sartana.
- Mas por quê?
- Por quê? Porque ele é Sartana!




E a cereja do bolo é a inacreditável performance de Gordon Mitchell como o psicótico vilão Burt Kelly. Eu não duvidaria se alguém me dissesse que Mitchell filmou todas as suas cenas sob efeito de álcool, ou mesmo drogas pesadas. Num autêntico "one-man show" digno dos melhores momentos de Klaus Kinski, o ator grita, recita frases sem sentido, brinca colocando copos sobre os olhos para simular um binóculo DURANTE UM DIÁLOGO SÉRIO com seus homens, e ri exageradamente como se estivesse numa comédia da série "Austin Powers".

Por tudo isso, o vilão é a melhor coisa do filme e rouba a cena dos apagados heróis toda vez que aparece. Digamos apenas que Burt Kelly é tão doido que joga pôquer e conversa com SEU PRÓPRIO REFLEXO NO ESPELHO - e ainda o acusa de estar trapaceando! É como se o personagem tivesse fugido de uma comédia de Mel Brooks, caindo bem no meio do set de filmagem de um western de quinta categoria!


Se Sartana não tem absolutamente nada em comum com o personagem da série oficial, o Django de Jack Betts sofre do mesmo problema, mais uma vez sendo representado como um caçador de recompensas (a exemplo do anterior "Django Desafia Sartana"). Mas pelo menos ele veste roupas parecidas com as do Django de Franco Nero, enquanto o Sartana de Franco Borelli passa longe disso e parece um pistoleiro genérico qualquer. E tudo bem que o Django de Sergio Corbucci não era exatamente um cavalheiro em relação às mulheres, mas o personagem de Betts exagera no tratamento do sexo oposto, e lá pelas tantas joga uma bacia de água suja no rosto de uma prostituta que está lhe "incomodando"!

Além do elenco reaproveitado de "Homens Mortos Não Fazem Sombra", vários outros atores habituais do cinema Fidaniano dão as caras na narrativa episódica de DJANGO E A SARTANA NO DIA DA VINGANÇA, entre eles o brasileiro Celso Faria, que na época era figurinha carimbada nos westerns de baixo orçamento feitos na Itália. Também é possível rever a linda Simonetta, filha de Fidani na vida real, e mais uma vez creditada como "Simone Blondell".


Na parte técnica, vale destacar a direção de fotografia do notório (e ainda desconhecido à época) Aristide Massaccesi. Alguns anos depois, já usando o pseudônimo "Joe D'Amato", ele se tornaria um dos grandes nomes do exploitation italiano, dirigindo produções polêmicas como "Emanuelle na América", "Buio Omega" e "Anthropophagus", além de uma cacetada de filmes pornográficos.

Este aqui foi um dos seus primeiros trabalhos como diretor de fotografia, e ele repetiria a dose em outros filmes posteriores de Fidani, como "Por um Caixão Cheio de Dólares" e o próprio "Homens Mortos Não Fazem Sombra". O início de carreira ao lado do "Ed Wood do Western Spaghetti" certamente deve ter sido uma grande escola para Massaccesi/D'Amato, que depois dirigiria ele mesmo diversas produções rápidas e baratas no estilo de Fidani!


Muito mais poderia ser dito/escrito sobre a ruindade de DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA, mas esse é o tipo de clássico trash que deve ser visto, e não discutido (ou pelo menos não discutido longe de uma mesa de bar e diante de várias garrafas de cerveja). Tenho certeza que o público médio fã de westerns não encontrou um único defeito entre os inúmeros existentes na produção, até porque a contagem de cadáveres é mantida nas alturas, com tiroteios a cada 10 ou 15 minutos.

Mas, para cinéfilos mais experientes e/ou fãs de podreiras, é impossível não gargalhar com a trama episódica que não leva a lugar nenhum, com as interpretações afetadas, com a péssima direção e com as tentativas desesperadas de Fidani de esticar o tempo de duração, incluindo um interminável jogo de pôquer que dura uns 10 minutos, e que é um convite ao uso do botão Fast Foward - até porque termina com Django passando fogo nos colegas trapaceiros de mesa e pegando para si todo o dinheiro das apostas!


Este é o segundo de três "crossovers" envolvendo a famosa dupla de personagens. Dois anos depois, em 1972, o cada vez mais picareta Fidani lançou um filme chamado "Uma Balada para Django", que não passa dos "melhores momentos" (cof, cof, cof!) de "Django Desafia Sartana" e DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA colados numa outra trama com apenas 20 minutos de cenas novas. Como se vê, não havia limites para a cara-de-pau para o diretor...

É claro que DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA não pode ser visto como um bom filme, sequer como um bom western spaghetti. Fidani e sua trupe não estão tentando criar nada de novo ou de original, regurgitando velhos clichês e até velhos personagens já conhecidos do público, e sem esconder que o fazem unicamente em busca de dinheiro fácil - sem nada de artístico ou relevante, digamos.


Por isso mesmo, a obra é pura diversão para quem gosta de cinema ruim, com tantos erros, defeitos e problemas por minuto que é impossível não se pegar rindo, ou pelo menos com muita vergonha alheia de todos os envolvidos nessa bagaça. É o "Sotto-Django" perfeito para assistir embalado por boas doses de álcool e/ou rodeado pelos amigos fãs de trash - além de uma bela introdução para o cinema sem-noção e absurdamente ruim do "mestre" Demofilo Fidani.

PS 1: Como havia acontecido com o filme anterior de Fidani, que no Brasil ganhou o título "Django Desafia Sartana" mesmo que não exista nenhum desafio ou duelo entre os personagens, este aqui também recebeu títulos enganosos nos EUA, como "Final Conflict... Django Against Sartana" e "Django and Sartana's Showdown in the West", levando o espectador a acreditar que verá um grande duelo entre Django e Sartana, quando na verdade eles são "amigos" na história.

PS 2: O IMDB trocou as bolas e creditou Jack Betts como Sartana e Franco Borelli como Django, quando na verdade é o contrário.


Trailer de DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA



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Arrivano Django e Sartana... È la Fine
(1970, Itália)

Direção: Demofilo Fidani
Elenco: Jack Betts, Franco Borelli, Gordon Mitchell,
Simonetta Vitelli, Attilio Dottesio, Benito Pacifico,
Krista Nell, Ettore Manni e Celso Faria.



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