UMA BALADA PARA DJANGO (1972)
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UMA BALADA PARA DJANGO (1972)



"Audaciosamente desonesto". É assim que um dos raros comentários sobre UMA BALADA PARA DJANGO na internet resume esta terceira e última aventura não-oficial do famoso personagem escrita e dirigida por Demofilo Fidani. E acredite, quando alguém se refere a um filme de Fidani, o "Ed Wood do western spaghetti", como "audaciosamente desonesto", é porque a coisa é mesmo da pesada!

Para começo de conversa, o que temos aqui não é exatamente um filme, mas sim uma picaretagem (ou esperteza) da grossa: Fidani filmou no máximo uns 15 minutos de cenas novas e depois completou um longa-metragem inteiro de 84 minutos na sala de edição, reaproveitando cenas dos outros dois "sotto-Djangos" que dirigiu ("Django e Sartana no Dia da Vingança" e "Django Desafia Sartana"), e até de alguns de seus outros westerns! Esperteza ou picaretagem? Julgue como quiser, mas antes vamos analisar a bagaça mais a fundo...


UMA BALADA PARA DJANGO começa num saloon de Black City (que, segundo indica uma placa na beira da estrada, fica perto de Tombstone), onde ocorre um insólito encontro de um ainda jovem e não tão famoso Wild Bill Hickok (Gerardo Rossi, creditado como "Jerry Ross") com o lendário caçador de recompensas Django (Jack Betts, creditado como "Hunt Powers"), em versão envelhecida, de bigode e mancando, usando uma bengala para caminhar. A maquiagem de envelhecimento feita no ator, que tinha pouco mais de 40 anos na época das filmagens, é até bem convincente.

Logo estoura uma pancadaria entre bêbados e arruaceiros no bar, resolvida por Hickok e pelo próprio Django (a bengaladas!). Quando o xerife finalmente chega para manter a paz e a ordem, alerta os bebuns sobre o perigo de terem mexido com o velhote ali presente: "Se vocês não o reconheceram, podem dar graças a Deus que não estão mortos. Ele é o mais famoso caçador de recompensas do Oeste, Django!".


Muito interessado no lendário personagem sentado ao seu lado, Hickok se apresenta, dizendo ser um grande fã de Django, e pede para ele lhe contar algumas de suas aventuras. O velho caçador de recompensas nunca foi um sujeito muito simpático e paciente, mas concorda - desde que o rapaz pague as bebidas e o seu jantar.

Depois desse prólogo de 8 minutos que realmente traz material novo, o velho Django começa a contar como derrotou os terríveis "Irmãos Sanchez", e aí começamos a ser bombardeados com uma infinidade de cenas de arquivo de outros filmes de Fidani, que representam as histórias da "juventude" do herói narradas ao ilustre fã.


A primeira "história" é a mais longa, durando pouco mais de meia hora, e mostra como o jovem Django (o próprio Jack Betts, sem maquiagem de envelhecimento e em cenas dos dois filmes anteriores que fez com o diretor) caçou e matou dois bandidos mexicanos que eram irmãos gêmeos, Manuel e Paco Sanchez.

Quase todas as imagens desse segmento foram retiradas de "Django Desafia Sartana", em que Benito Pacifico interpretava um bandido mexicano chamado Paco Sanchez. Como no original não existia irmão gêmeo, Fidani foi obrigado a chamar Pacifico de volta para gravar algumas cenas adicionais dele como Manuel (o irmão gêmeo), e, graças ao milagre da montagem, o ator passou a contracenar com ele mesmo dois anos mais novo (imagens abaixo), nas cenas filmadas para "Django Desafia Sartana" (tem até uma luta de Benito contra ele mesmo que só vendo para crer!!!)


Sem limites para a reutilização de material antigo, o diretor também reaproveitou cenas de outros filmes: quando a narração em off de Django explica que os Irmãos Sanchez deixaram uma longa trilha de roubos pelo Oeste, vemos cenas do ataque a um jantar de grã-finos originalmente mostrada em "Sou Sartana... Venham em Quatro para Morrer" (1969). Ironicamente, os bandidos nessa cena sequer são mexicanos!

Quando Django finalmente dá cabo dos Sanchez, encerrada a primeira "história" e o jantar, Hickok pergunta: "Mas por que você resolveu se tornar um caçador de recompensas?". O envelhecido herói se reclina na cadeira e responde: "Ah, essa é outra história. Quer ouvir?". E aí começa o segundo "episódio", em que o jovem Django persegue Dean O'Neal, o assassino frio que matou seu grande amigo.


"O'Neal" na verdade é Bud Willer, o vilão que Dino Strano havia interpretado também em "Django Desafia Sartana", cujas cenas foram novamente reaproveitadas. Mas também sobra um espacinho para imagens de "Django e Sartana no Dia da Vingança", que, ironicamente, fazem mais sentido aqui do que no filme para o qual foram gravadas!

Por exemplo, quem (re)ler minha resenha sobre "Django e Sartana no Dia da Vingança" vai ver que descrevo uma cena aleatória em que Django visita uma cidade-fantasma, encontra um sujeito vestindo farrapos e tenta conversar com ele, mas, não obtendo resposta, vira as costas e vai embora, transformando tudo aquilo num momento sem sentido algum. Em UMA BALADA PARA DJANGO, Fidani reutilizou esta mesma cena, mas, usando uma nova dublagem, fez com que o sujeito em farrapos dessa vez CONVERSASSE com Django, dando-lhe informações úteis sobre o paradeiro de O'Neal!


Finalmente, com a morte deste e o fim do segundo "episódio", o velho caçador de recompensas se despede e diz que tem um último servicinho para fazer antes de se aposentar. Ele tira uma lista do bolso repleta de nomes e valores, quase todos riscados, onde sobrou um único, "Buck Bradley". E esse será o seu último trabalho, com bengala e tudo.

Bradley é interpretado por Gordon Mitchell, que já havia enfrentado o mesmo Django de Jack Betts no anterior "Django e Sartana no Dia da Vingança". As cenas do novo duelo entre os dois são novas e inéditas, mas Fidani novamente reaproveita na montagem alguns takes antigos. E é uma coisa realmente mágica ver takes de Betts com maquiagem de envelhecimento disparando seu revólver, nessas novas cenas de UMA BALADA PARA DJANGO, para matar capangas que originalmente morreram em "Django e Sartana no Dia da Vingança"!


UMA BALADA PARA DJANGO é um daqueles legítimos FILMES PARA DOIDOS, para públicos beeeeem específicos. Não tenho certeza de como iria reagir um espectador que visse o filme sem saber que na verdade se trata de uma colcha de retralhos de obras antigas, mas ele provavelmente estranharia a esquisita narrativa episódica, que mostra Django em três missões diferentes e sem se aprofundar muito nos personagens de cada uma delas.

Particularmente, eu acho UMA BALADA PARA DJANGO um negócio de gênio, mesmo. Porque é preciso ser muito genial (e cara-de-pau) para fazer um longa inteiro com cenas antigas, e que funciona razoavelmente bem - pelo menos muito melhor que as picaretagens de Godfrey Ho, aquele maluco que inseria cenas com ninjas no meio de dramas e filmes policiais feitos anos antes, e muito melhor que "Predadores da Noite", o filme de zumbis que Bruno Mattei fez usando cenas de um velho documentário sobre a Nova Guiné.


O curioso, também, é que essa colcha de retalhos é a mais interessante das três aventuras de Django escritas e dirigidas por Fidani. Porque se nas outras duas as histórias iam do meia-boca ao inexistente, aqui realmente há uma boa ideia para se fazer um filme, que é o encontro entre uma lenda da vida real (Wild Bill Hickok) com outra da ficção, como se o velho Django tivesse sido a inspiração para o jovem Hickok ter se tornado um histórico pistoleiro.

A ideia de um envelhecido Django narrando seus feitos, e ainda encontrando disposição para enfrentar um último desafeto, também é absolutamente genial, e muito me admira que após tantos "sotto-Djangos" ninguém tivesse pensado nisso antes! Eu até acreditei que aconteceria algo semelhante em "Django Livre", com um velho Franco Nero passando o revólver à nova geração representada por Jamie Foxx, mas o Tarantino foi bunda-mole e desperdiçou esta rara participação do Django original!


A execução pode até não ser das melhores, mas as ideias, tanto do roteiro quanto de reaproveitar cenas antigas, são fantásticas. O filme em si segue o padrão de qualidade "fidaniano" (ou seja: nenhum) e é bem ruinzinho, mas tem lá seus méritos como diversão trash, e pelo menos serve como coletânea dos "melhores momentos" do diretor em seus filmes anteriores. Ele até usa um pseudônimo novo, "Lucky Dickinson", ao invés do tradicional "Miles Deem".

O legal é que Fidani pôde pegar apenas as cenas de ação e de tiroteio dessas obras antigas, separando-as daquela infinidade de takes de pessoas cavalgando ou papo furado. Por isso, UMA BALADA PARA DJANGO também é um trabalho mais dinâmico do cineasta, trazendo apenas o que realmente interessa de "Django e Sartana no Dia da Vingança" e "Django Desafia Sartana", até eliminando a necessidade de ver esses filmes por inteiro.


UMA BALADA PARA DJANGO também traz o melhor duelo final de toda a trinca de "sotto-Djangos" de Fidani, entre Betts e Mitchell. (SPOILER) Django parece vencido sem o seu revólver, e o vilão diz que quer guardar a bengala do velho caçador de recompensas como lembrança. Nesse momento, nosso herói ergue a bengala e revela uma derringer (aquelas arminhas minúsculas, que parecem de brinquedo) presa ao cabo, que usa para balear seu último inimigo! (FIM DO SPOILER)

Na conclusão, voltamos ao saloon do início e uma nova briga entre bêbados e arruaceiros se inicia. Django, talvez esquecendo que está aposentado, ajuda seu fã Hickok a dar um jeito nos encrenqueiros, e o último take do filme é o herói dando um sopapo diretamente na lente da câmera - como se estivesse esmurrando o nariz do próprio espectador!


Talvez até pelo aspecto de picaretagem, de ser mais uma colagem de cenas do que um filme completo, UMA BALADA PARA DJANGO acabou se tornando uma raridade conhecida apenas por quem é muito fã de Django ou do diretor Fidani. Sequer circula em cópias boas na internet, e a mais fácil de encontrar é tirada de VHS com legendas em grego!

Também não encontrei nenhuma resenha sobre a obra nas minhas fontes de costume, além de um simples parágrafo no The Spaghetti Western Database. Mesmo no IMDB não há qualquer comentário dos usuários, e o verbete do filme no "Dizionario del Western all'Italiana", de Marco Giusti, resume-se a meia dúzia de linhas pouco esclarecedoras. Assim, as raríssimas manifestações a respeito da obra estão em fóruns de discussão, e bem sucintas.


Para quem gosta de encontrar referências e conexões (às vezes inexistentes), o título original italiano é "Giù le Mani... Carogna", que pode ser traduzido no sentido literal como "Abaixe as Mãos... Carniça", e parece indicar algo na linha de "Quando Explode a Vingança", de Sergio Leone, que na Itália é "Giù la Testa" (não por acaso, o próprio Fidani já havia dirigido outro western chamado "Giù la Testa... Hombre", que no Brasil foi lançado como "Minnesota - Caçado Vivo ou Morto"!!!).

Por falar em títulos brasileiros, a obra foi originalmente exibida em nossos cinemas como "Django, Pistoleiro Implacável". UMA BALADA PARA DJANGO é o título com que ele foi exibido na TV e lançado em VHS pelo selo Studio T, e que também achei mais apropriado considerando a história do filme.


Só gostaria de enfatizar que UMA BALADA PARA DJANGO não é, de maneira alguma, um bom filme. Seus defeitos são mais do que evidentes (conforme meu breve relato deve ter deixado bem claro), e a ideia de reutilizar cenas antigas é, como já disse/escrevi, tanto coisa de gênio quanto de picareta, cabendo a cada espectador julgar por si próprio.

Eu, particularmente, acho que filmes como este representam a verdadeira mágica do cinema, e o que sempre me atraiu na Sétima Arte. Qualidade da película à parte, ela é bem-sucedida em enganar o espectador ao colocar um ator brigando com ele mesmo em cenas filmadas com dois anos de diferença, ou um herói atirando em vilões de um outro filme! Hoje até uma criança de cinco anos faz tudo isso sem a menor dificuldade usando seu computador e um fundo verde, mas na época (1972) essas trucagens exigiam muita criatividade e disposição do seu realizador. Sem contar que é muito divertido assistir o filme e tentar identificar o que é cena nova e o que é cena de arquivo...


Enfim, Demofilo Fidani pode até ser o Ed Wood do gênero, mas certamente ninguém poderá acusá-lo de falta de imaginação ou de criatividade. E eu não sei quanto ganharam os responsáveis pela edição do filme (Piera Bruni e Gianfranco Simoncelli), mas eles certamente mereciam o triplo pelos milagres que fizeram para costurar uma narrativa minimamente coesa da forma como fizeram aqui.

Vale ressaltar que, durante um longo intervalo de tempo (exatos 15 anos), UMA BALADA PARA DJANGO foi a última aventura do herói a chegar às telas - descontando, é claro, outros westerns quaisquer cujos títulos foram mudados para virarem sub-Djangos desonestos. Isso até a volta (nada) triunfal do personagem em "Django, A Volta do Vingador", um filme que consegue ser pior do que todas as barbaridades que caras como Fidani e Luigi Batzella fizeram usando este mesmo nome...


Trailer de A BALADA DE DJANGO



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Giù le Mani... Carogna (1972, Itália)
Direção: Demofilo Fidani
Elenco: Jack Betts, Gordon Mitchell, Gerardo Rossi,
Benito Pacifico e um montão de cenas de arquivo
com Dino Strano, Celso Faria e outros.



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