Texto apresentado no X Encontro Nacional da Socine, em Ouro Preto, 2006.
Quando o curta-metragem Frankenstein, de Thomas Edison (1911, EUA, 11min), foi exibido pela primeira vez no Brasil, numa sessão histórica no Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo em 2003, a maior parte do público encarou o filme como mera curiosidade arqueológica que antecederia a apresentação de outros pequenos filmes nacionais e internacionais do gênero horror.
Mas, para os cinéfilos e pesquisadores ali presentes, assistir ao tão citado e tão pouco visto “primeiro filme de monstro da história do cinema” , significou muito mais do que satisfazer uma curiosidade antiga. De fato, aqueles espectadores dispostos a assistir com atenção ao filme mudo impresso numa cópia bastante problemática reconheceram ali uma verdadeira preciosidade do primeiro cinema.
Brilhantemente executado com os parcos recursos (técnicos e narrativos) da época, esse filme se revelou um exercício fantástico sofisticado que precedeu, inclusive, em algumas de suas estratégias, o pioneiro longa-metragem O Estudante de Praga (1913), de Paul Wegener, realizado na Alemanha em 1913 e considerado o primeiro longa de horror da história do cinema.
Neste artigo, pretendo explorar alguns aspectos do “Frankenstein de Thomas Edison” que tanto impressionaram o público cinéfilo do século 21 – e também o público norte-americano, que rejeitou o filme no começo do século 20.
O nascimento inesperado de uma lenda Em 1910, nos estúdios que o inventor, produtor e empresário Thomas Alva Edison (1847-1931) mantinha no bairrro do Bronx, em Nova Iorque, foi realizada a primeira adaptação cinematográfica do romance Frankenstein, publicado pela britânica Mary Shelley (1797-1851) em 1818. Essa fita de onze minutos, escrita e dirigida por J. Searle Dawley , foi também uma das primeiras produções dramáticas de horror realizadas em película e, possivelmente, a primeira do gênero a ser banida – o filme teria sido, segundo consta, considerado “profano” pelos censores americanos da época e, desde então, dado como perdido.
Em 1980, porém, Frankenstein foi incluído pelo American Film Institute (AFI) no diretório das dez maiores raridades desaparecidas da história do cinema, o que motivou o colecionador Alois Dettlaff a finalmente doar sua cópia única do filme, obtida na década de 1960 e, até então, nunca projetada. Parcialmente recuperada (já que estava em péssimo estado de conservação), a fita foi exibida pela primeira vez em 1997, na Inglaterra, durante as comemorações do aniversário de 200 anos do nascimento de Mary Shelley. Depois disso, foi exibida publicamente poucas vezes, mas ganhou versões em DVD e na Internet que obtiveram alguma repercussão entre cinéfilos e pequisadores do mundo todo.
O caminho deste pequeno filme da obscuridade à celebridade foi tortuoso. Durante sua produção, Frankenstein fora pensado como apenas mais um dos muitos filmes realizados nos estúdios de Edison e, teoricamente, não deveria ter causado grandes problemas: apesar da presença perturbadora do monstro, não mostrava qualquer violência ou sangue, e os eventos descritos eram perfeitamente conhecidos pelo grande público – não apenas em função do seu contato com o livro famoso, mas também das diversas adaptações teatrais em voga desde a sua publicação.
Mas Edison e sua equipe, aparentemente, subestimaram a reação da audiência ao efeito hiper-realista proporcionado pelo cinema. Afinal, mesmo preso na maior parte do tempo à convenção do tableau, o filme tem imagens de grande impacto, privilegiando a construção do suspense, optando por uma cenografia abertamente macabra e lançando mão de toda sorte de efeitos especiais disponíveis na época.
Logo após sua estréia nos Estados Unidos, Frankenstein causou furor entre os exibidores, que o consideraram excessivamente estranho e assustador para audiências mais polidas. Na Inglaterra, foi proibido antes mesmo de estrear. Quando a Universal Studios realizou sua versão do livro de Mary Shelley em 1931, o filme sequer foi lembrado ou consultado.
Mas o curioso é que, quando o assistimos sob o ponto de vista de mais de um século de cinema, constatamos que, a despeito do banimento de que foi vítima, o trabalho de Edison e J. Searle Dowley pode ter tido um papel seminal tanto na construção do cinema de horror como conhecemos hoje quanto no tipo de abordagem audiovisual feita do romance de Mary Shelley ao longo do século XX.
Novidades por trás das sombras Os temas relativos ao horror (ameaças sobrenaturais, personagens assediados por figuras monstruosas etc) não estavam fora do repertório das produções cinematográficas do começo do século 20. No entanto, seguindo a tradição inaugurada pelos pequenos filmes fantásticos do francês Georges Meliès (veja filme), tais temas eram abordados quase sempre por um viés cômico.
Assim, pode-se arriscar dizer que, em 1910, não havia ainda um conceito formado de filme de horror, no qual o sobrenatural é fonte de medo, violência e drama. Isso começaria a mudar a partir de algumas experiências no cinema alemão (com o lançamento de O Estudante de Praga, em 1913 e, sobretudo, após do sucesso mundial de O Gabinete do Dr. Caligari (assista) e seguidores a partir de 1920) e com as primeiras produções do gênero na Universal Studios, nos EUA, no final da decada de 1920 (como O Fantasma da Ópera (assista), de Rupert Julian, feito em 1925, e O Gato e o Canário (assista), dirigido por Paul Leni em 1927).
Desse modo, ainda que o Frankenstein de 1910 não seja o primeiro filme conhecido a tratar de eventos fantásticos, possivelmente tenha sido um dos primeiros a abandonar a abordagem engraçada e episódica do gênero, escolhendo abertamente uma visão dramática dos eventos e, com isso, sendo fiel ao romance em que se baseou – um dos maiores clássicos da literatura fantástica e de horror .
Além do pioneirismo na abordagem dramática do horror, um segundo aspecto que chama a atenção do espectador de hoje sobre o filme de 1910 é a caracterização do monstro – que, lembremos, jamais é descrito por sua criadora literária. A criatura enorme, peluda e manca criada pelo próprio ator Charles Ogle (1865-1940) para o filme em nada se parece com a imagem de Boris Karloff com o rosto quadrado e parafusos nas têmporas, eternizada pelo filme de James Whale em 1931 (assista ao trailer).
Hoje, grande parte do público nem percebe que a imagem mais típica do monstro não é a literária, e sim a cinematográfica, construída mais de cem anos depois do lançamento do romance. O registro de Dawley e Edison, portanto, é um dos únicos que nos remete à tradição visual da figura do monstro construída em quase um século de adaptações teatrais.
Neste ponto, o filme de 1910 também inaugura um aspecto marcante do que viria a ser o cinema de horror hollywoodiano: diferentemente dos filmes de horror alemães da década de 1920 (geralmente ligados ao chamado cinema expressionista), que produziam espectros e criaturas sobrenaturais com poucos detalhes grotescos (exceto, talvez, no caso do Nosferatu), o cinema americano teve, desde o princípio, a preocupação de mostrar, de maneira espetacular, monstros horrendos e repugnantes, sem a menor concessão à elegância. Um bom exemplo disso pode ser encontrado no filme O Corcunda de Notre Damme (assista ao filme), dirigido por Wallace Worsley em 1923 e interpretado por um Lon Chaney irreconhecível e grotesco, cheio de feridas e mutilações.
Essa necessidade de fazer da aparência do monstro um ponto central do espetáculo, verificada claramente no Frankenstein de Edison, encontraria momentos intensos no cinema americano já no filme O Fantasma da Ópera, de 1925, em que todo o suspense é construido para que o mesmo Lon Chaney mostre seu rosto totalmente desfigurado à apavorada mocinha interpretada por Mary Philbin .
Um terceiro aspecto que se pode destacar a respeito das tendências “inauguradas” pelo Frankenstein de Edison e Dawley decorre diretamente dessa “obrigação” que o filme assume de mostrar algo que o livro não mostra: o curta-metragem faz do nascimento do monstro seu foco principal, contrariando o livro de Shelley, no qual esse processo é apenas aludido.
Na primeira metade do filme, temos um cenário macabro onde o jovem Dr. Frankenstein faz suas experiências num caldeirão fervente escondido em um tipo de “gabinete” secreto, o qual o cientista controla por uma portinhola que se abre à altura de seus olhos. Lá dentro, um esqueleto disforme se transforma em homem através de elaborados efeitos especiais (tais como fotografia reversa, stop action e fusões), que devem ter sido verdadeiramente horroríficos em 1910.
É interessante observar a longa duração desta seqüência em relação ao tempo total do filme, e também o efeito de “distensão” do tempo obtido com a montagem paralela à cena de Victor Frankenstein assistindo, na posição de espectador privilegiado, a transformação do esqueleto fervente em homem.
Nesta seqüência, o processo de criação do montro “dá-se a ver” ao cientista, que fica tão excitado por ver isto pela primeira vez quanto a platéia, que se indentifica com o seu olhar e recebe a revelação, após quase 100 anos, daquilo que Mary Shelley omite deliberadamente em seu livro. Neste momento, então, o filme assume o papel de “revelar toda a verdade” – papel tipicamente legado ao cinema e à fotografia, ainda mais em seus primeiros tempos.
Além da novidade “em si” contida na revelação do processo que teria dado vida à criatura maldita, a seqüência do nascimento do monstro também tem um papel “inaugural” nas adaptações de Frankenstein: ainda que se aproxime mais da alquimia que do método científico descrito por obras posteriores (geralmente relacionando a sua criação ao uso da energia elétrica), dá ao processo um grande e detalhado destaque, o que depois se revelaria uma tendência fundamental das versões cinematográficas do romance.
A maior novidade trazida pelo filme de 1910, no entanto, refere-se à “adaptação livre” da história origional, que a condensa e reinterpreta.
Lembremos: o filme se concentra nos dois momentos potencialmente mais eletrizantes (e cinematográficos) da história – a experiência do Dr. Viktor Frankenstein ao dar vida ao monstro, e seu confronto com a criatura em sua noite de núpcias. O desfecho desse encontro, porém, é muito diferente do original literário: em vez ir até o fim do mundo para se encontrar com seu criador, o monstro, confrontado com sua própria imagem no espelho, desaparece, deixando em seu lugar o reflexo do próprio doutor.
Promovendo uma condensação de diversas histórias fantásticas, Frankenstein propõe uma exploração da história fantástica que, de alguma maneira, leva ao extremo a idéia de “revelar” o que não é mostrado no livro: além da aparência do monstro e dos detalhes da experiência alquímica que lhe deu vida, o filme pretende revelar a “verdadeira natureza” da criatura: a de duplo imaginário.
Nesse sentido, o filme apresenta uma visão dos eventos fantásticos mais próxima da que se tinha no começo do século XX, carregada de análises psicológicas e mesmo psicanalíticas, e que muitas vezes (como no caso de Freud com os contos de Hoffmann) procurava apontar a “verdade”, os “verdadeiros impulsos” por trás de obras – fantásticas ou não – que povoavam o imaginário popular.
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