TNT JACKSON (1974)
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TNT JACKSON (1974)



Cirio H. Santiago foi um cineasta filipino que, numa carreira que totalizou 73 filmes, atirou para todos os lados: fez aventuras de artes marciais, produções sobre a guerra do Vietnã, ficção pós-apocalíptica, sexploitation, blaxploitation... Enfim, o que quer que estivesse dando grana. Se fosse o caso, até misturava temas e gêneros, como fez em "O Samurai Negro", que mesclava os cânones do ciclo blaxploitation com os filmes orientais de samurai.

Pois o tema de hoje aqui no FILMES PARA DOIDOS é outra saborosa mistureba comandada por Cirio: TNT JACKSON, aventura barata de 1974 que junta, num mesmo balaio, as produções blaxploitation com negras valentonas e as aventuras baratas de artes marciais made in Hong-Kong. O resultado é curioso, para não dizer coisa pior.


1974 era "o" ano para aventuras blaxploitation estreladas por mulheres. Afinal, no ano anterior, 1973, estouraram dois filmes baratos com personagens femininas, "Coffy", de Jack Hill, com Pam Grier no papel principal, e "Cleopatra Jones", de Jack Starrett, estrelado por Tamara Dobson (que teve uma seqüência em 1975). TNT JACKSON foi uma tentativa de criar mais uma personagem negra popular e de lançar uma nova estrela do ciclo blaxploitation, a magricela Jeannie Bell.

Longe das curvelínias e voluptuosas Pam e Tamara, Jeannie era uma garota comum e bem sem graça até, cujo passaporte para o mundo do cinema barato foi um ensaio na Playboy em 1969. Nem a atriz e nem a sua personagem, TNT Jackson, fizeram o mesmo sucesso das "concorrentes", e Jeannie logo abandonou a carreira de atriz para assumir um emprego melhor em tempo integral: casou com um multimilionário!


Mesmo assim, a curta passagem pelo ciclo blaxploitation garantiu pelo menos um grande fã: Quentin Tarantino, que homenageou a atriz em "Kill Bill - Volume 1", onde a personagem de Vivica Fox usa o nome falso "Jeannie Bell" (valeu pela dica, Leandro Caraça).

Comparando com as aventuras de Pam Grier (principalmente "Coffy" e "Foxy Brown"), e com a série "Cleopatra Jones", este TNT JACKSON realmente não é o filmão que o pôster de cinema prometia. Porque, como disse Robert Rodriguez na divulgação do filme "Grindhouse", os pôsteres destas produções bagaceiras dos anos 70 geralmente eram melhores que os próprios filmes.

A trama é um primor de obviedade: Diana "TNT" Jackson é uma ex-presidiária e especialista em artes marciais que vai a Hong-Kong para investigar o desaparecimento do seu irmão. Lá chegando, começa a distribuir porrada para todo lado até descobrir que o maninho foi morto a mando de Sid (Ken Metcalfe, de "Ninja - A Máquina Assassina"), o chefe de uma quadrilha de traficantes de cocaína.


Do lado dos vilões também estão a bela loirinha Elaine (Pat Anderson) e outro negro karateka, Charlie (Stan Shaw, fazendo filmes até hoje, entre eles blockbusters tipo "Daylight", com o Stallone).

Paralelamente, há uma trama bem deslocada que mostra os carregamentos de drogas de Sid sendo roubados misteriosamente, o que leva o vilão a desconfiar da vingadora TNT Jackson. Somente no final descobrimos que o culpado pela sabotagem é o próprio Charlie, que quer assumir o posto de chefão. E Elaine também se revela uma agente federal infiltrada.

A conclusão terá a tradicional luta até a morte entre TNT e Charlie, mas isso só depois de os dois terem se envolvido romanticamente, para a tradicional cena de sexo e nudez.


Se TNT JACKSON serviu para alguma coisa - além de ter transformado Jeannie Bell em citação do Tarantino, claro - foi como uma inesperada reunião de talentos por trás das câmeras. De um lado, o diretor Cirio Santiago, cujo cinema divertido, barato e improvisado ainda precisa ser redescoberto pelas novas gerações; de outro lado, o produtor Roger Corman, monstro sagrado do cinema que finalmente está recebendo o devido reconhecimento (ganhando até Oscar pelo conjunto da sua obra, e enquanto ainda está vivo!).

Uma terceira figurinha carimbada envolvida na produção do filme é ninguém menos que Dick Miller, aquele eterno ator coadjuvante de quase duas dezenas de produções, aqui em seu primeiro e único crédito como roteirista - que ele divide com o também ator Metcalfe e com Leonard Hermes. Três pessoas para escrever uma aventura rasteira como TNT JACKSON? Quem diria...

Eu só queria saber qual dos três foi o responsável pela mais deliciosa e engraçada cena do filme: aquela em que TNT está cercada por vilões num quarto de hotel e ameaça: "You want it black? You got it black!". Dito isso, a bela heroína tira a roupa e apaga a luz, já que, pelada, fica "camuflada" no escuro e pode distribuir safanões nos capangas à vontade!


É um momento tão absurdo e inesperado, ainda mais por estar sendo levado totalmente A SÉRIO, que se transforma no ponto alto de uma película nada memorável. (Até porque a calcinha da moça muda de cor duas vezes ao longo da cena, evidenciando o descuido do continuísta, ou a falta de um!)

O restante é aquela rotina da maioria das aventuras de artes marciais do período. Como TNT prefere usar os pés e punhos ao invés de armas, nem ao menos há grandes cenas de ação ou de violência no estilo "Coffy".

Mesmo assim, a mocinha encarna Bruce Lee em dois momentos bem sangrentos: ao quebrar o braço de um bandido (com direito a fratura exposta e sangue esguichando), e ao atravessar o tórax de um vilão com o punho durante uma luta!


O problema é que Jeannie Bell pode ser bonita e gostosinha, mas não tem a "atitude" de uma Pam Grier, e muito menos sabe lutar. Em todas as cenas de ação, ela é visivelmente substituída por um dublê (acredite se quiser, mas um HOMEM de peruca blackpower!); nas demais, quando a atriz precisa aparecer no quadro, apenas fica encaixando socos e chutes que passam a quilômetros das "vítimas".

A coreografia da pancadaria é bem pouco original, e só melhora um pouco na luta final. Até porque o vilão é interpretado por Stan Shaw, que na vida real era professor de karatê, judô e jiu-jitsu. Eis outro grande problema: a desenvoltura de Shaw só deixa ainda mais evidente a pouca intimidade da estrelinha Jeannie com a coisa.

Ainda que pouco memorável, TNT JACKSON é uma aventura rápida e rasteira (tem pouco mais de 70 minutos) daquele tipo que hoje mais provoca risadas do que excitação. Diálogos como "Ah é? E eu sou Branca de Neve com queimadura do sol" (frase dita, obviamente, por uma negra) garantem as gargalhadas involuntárias, complementadas com a pobreza geral da produção, dos cenários e dos figurinos.


E é claro que vale a pena conhecer justamente por estes pequenos achados, como a cena da heroína lutando nua (que o Tarantino de certa forma "homenageou" no seu "Jackie Brown", quando Samuel L. Jackson e Pam Grier ficam no escuro no apartamento da heroína). Momentos impagáveis e bizarros como este são a síntese do cinema barato de outros tempos, tão difícil de rever nesses nossos tempos politicamente corretos e nada criativos.

PS 1: Esta é a CENTÉSIMA postagem do FILMES PARA DOIDOS. Rumo à "duzentésima"!

PS 2: Na minha aula de ontem de Teorias e Práticas das Análises de Produtos e Linguagens Audiovisuais, um colega fez uma interessantíssima comparação entre outro blaxploitation clássico, "O Chefão de Nova York", de Larry Cohen, e "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles. Além de a trajetória do personagem interpretado por Fred Williamson ser muito parecida com a do Zé Pequeno no filme brazuca, o desfecho de ambos é praticamente idêntico, com o bandidão sendo ironicamente atacado por marginais muito mais jovens. Fiquei embasbacado, pois não lembrava dos detalhes do filme do Cohen e a semelhança realmente transparece! Parabéns ao colega!

Trailer de TNT JACKSON


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TNT Jackson (1974, EUA/Filipinas)
Direção: Cirio H. Santiago
Elenco: Jeannie Bell, Stan Shaw,
Chiquito, Max Alvarado, Pat Anderson,
Ken Metcalfe e Chris Cruz.



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