Filmes Legais
Walter Gabarron: um emprego para 'Django'
Há pouco mais de três anos publiquei uma entrevista com o ator Walter Gabarron neste blog. Ela foi realizada em 1997, na época em que eu ainda estava na faculdade de comunicação. A intenção era fazer um tributo a um dos atores mais atuantes da fase explícita do cinema da Boca do Lixo. Após a publicação da entrevista, parentes de Gabarron entraram em contato comigo para agradecer a lembrança do ator. O ator Peter Aponte, que trabalhou com Gabarron nos filmes "Carnaval do sexo" (1986), "Pau na máquina" (1988) e "Nero, a loucura do sexo" (1990), entre outros, também viu a entrevista no blog e fez um breve comentário sobre essa época. Recentemente, recebi um e-mail do advogado Fábio Lima, que conheceu Gabarron antes de ele abraçar a carreira de artista. Lima conta detalhes de uma época marcante na vida de Gabarron. Após receber a autorização de Lima, compartilho a mensagem com os leitores de
Mondo Cane:
"Gio, boa tarde.
Eu estava matando saudade de minha infância pobre e sofrida (não sei se tenho saudade ou só curiosidade pela referência que ela é), na internet, rastreando os lugares onde vivi, e lembrei-me de uma pessoa que eu conheci na infância e com quem tive alguma amizade e que viria, mais tarde a ser ator pornô, o Walter Gabarron. Através do Google, localizei a entrevista que você fez com ele e fiquei triste de saber que ele faleceu há alguns anos.
Tanto o Walter como eu não falamos da infância (pode notar a objetividade da resposta dele quando disse que morou em São Paulo, ponto!), do passado sofrido que cada um vivia a seu modo. Eu não era vizinho dele, nem conhecia a casa dele, mas o encontrava com frequência na estação de trem XV de Novembro, na zona leste, uma estação para lá de Itaquera, para quem pega o trem de subúrbio da Central do Brasil, que vai em direção a Mogi das Cruzes.
Gabarron, era assim que eu o chamava, era dois anos mais velho que eu e ambos éramos pobres e vivíamos em busca de emprego, nas agências de serviço temporário do centro de SP. A gente pegava o trem de manhã e passava o dia andando na cidade, em busca de algum bico, de algum emprego. Vez ou outra um sumia do outro, mas, semanas e meses depois, a gente se esbarrava e voltava a caminhar no centro, ou na Penha de França, numa vida bem difícil.
Havia, entretanto, algo que vale registrar: o Gabarron era um rapaz que gostava de se vestir bem. Era sempre a mesma roupa, na maioria das vezes, mas era caprichada, limpa, bonita. E ele tinha uma presença, uma forma de se apresentar que impressionava as pessoas. Tem mais: ele era um homem bonito (na Internet não se vê fotos dele e eu nunca vi um filme pornô em que ele estivesse), mas lembro que a gente entrava numa agência bancária e as funcionárias paravam, olhando para ele. Ele cultivava uma barba bem feita e andava num jeito a "la Django", que atraia as pessoas. Era interessante.
E ao mesmo tempo, ele era um rapaz muito pobre, que sonhava em trabalhar, ganhar dinheiro, enriquecer, como qualquer um dos jovens daqueles anos de 1974, 1975. Eu lembro que ele me disse que, numa das agências de emprego em que a gente ia (e onde a moça que nos atendia tinha uma quedinha por ele, mas provavelmente não um envolvimento), ele foi encaminhado para um serviço temporário no Playcenter, para representar, dançar. Ele me disse que não era isso que ele queria, que ele preferia um escritório, mas a moça disse que ele tinha pinta de ator e que ele devia tentar. E ele deve ter ido...como sua entrevista revela.
Eu não me lembro mais de ter encontrado com ele depois. Eu segui minha rotina, também consegui me libertar daquela vida sofrida, estudando muito, e, anos depois, ouvi uma menção ao nome do Gabarron, talvez num jornal (na Folha?), associando ele a filmes pornôs, algumas afirmativas de que ele era gay (e aí eu fiquei indignado, porque, pelo menos nessa época, a gente era macho e gostava de mulher), mas fui seguindo minha vida e agora vejo a notícia do seu fim....
Mas algo me alegrou nisso tudo (apesar de eu ter sentido muito a morte prematura do meu amigo de sofrimento na infância): é o fato de ele ter deixado um casal de filhos, muito provavelmente pessoas dignas que, se souberem deste passado sofrido dele, da fase de infância, devem ter orgulho do pai que foi, além de um marco na indústria de filmes (do que eu não entendo, mas tem sua importância), um verdadeiro lutador, um verdadeiro sobrevivente".
Para reler a entrevista completa de Walter Gabarron, clique aqui, aqui, aqui e aqui.
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